Início de um ciclo de cortes de juros no Brasil segue distante
Após o furacão que atingiu a economia e os mercados globais desde o “Liberation Day” do início de abril, os comitês de política monetária do Banco Central do Brasil (BCB) e do Federal Reserve (Fed) se reúnem hoje diante de um cenário global bastante diferente daquele observado nas últimas decisões.
No plano internacional, a visibilidade segue turva, e muitos dos efeitos ainda precisam ser confirmados pelos indicadores econômicos. Entre as principais incertezas:
1. Desaceleração da atividade global – Ainda há dúvidas sobre a intensidade da desaceleração econômica mundial. Historicamente, aumentos de tarifas por grandes economias costumam reduzir o comércio internacional, o que impacta negativamente o crescimento global.
2. Pressões inflacionárias divergentes – Há trajetórias distintas para os preços. Produtos manufaturados sujeitos a tarifas devem encarecer, especialmente com a recente desvalorização do dólar frente a outras moedas. Por outro lado, o petróleo sofreu forte queda com a combinação de demanda mais fraca e aumento da oferta pela Arábia Saudita. Esse movimento tende a aliviar a inflação global, inclusive nos preços agrícolas. Já nos serviços, a inflação responde mais à atividade econômica: com a previsão de queda do Produto Interno Bruto (PIB) americano, espera-se uma piora no mercado de trabalho, alta do desemprego e menor pressão sobre os preços dos serviços.
Com isso, mesmo com a alta nos preços de bens manufaturados, a inflação nos Estados Unidos tende a ceder, abrindo espaço para que o Fed considere cortes de juros no segundo semestre.
O Brasil vive, no momento, um duplo choque positivo para a inflação: queda do petróleo e apreciação do câmbio. Isso favorece a política monetária, mas a principal dúvida é: esse alívio será duradouro o suficiente para ancorar as expectativas de inflação?
No curto prazo, sim. A perspectiva de corte nos preços da gasolina – item de peso relevante no IPCA – traz alívio imediato. Mesmo com participação menor no índice, a queda do diesel reduz custos de transporte e impacta positivamente a economia.
No longo prazo, também há efeitos. Um dólar mais fraco globalmente tende a reduzir a pressão sobre bens importados, e uma inflação mais comportada agora reduz a inércia inflacionária no futuro. Mas isso é suficiente para reverter a política monetária?
Na nossa avaliação, ainda não. Sem maior clareza sobre o rumo da política fiscal, não há espaço para uma melhora robusta das expectativas de inflação.
Nos Estados Unidos, o Fed deve adotar uma postura cautelosa, optando por esperar os desdobramentos do cenário comercial e seus efeitos sobre a economia global e, em especial, a americana. Em tempos incertos, ganhar tempo pode ser a melhor estratégia.
No Brasil, o Copom deve elevar a Selic em 50 pontos-base (0,5 ponto percentual), para 14,75%, sinalizando que os próximos passos dependerão da evolução do cenário econômico. A autoridade monetária precisa aproveitar o ambiente externo mais favorável para reforçar o combate à inflação, reconquistar a confiança e ancorar expectativas. O que antes parecia impossível, hoje é apenas difícil – mas ainda estamos longe de declarar a situação como sob controle.
O início de um ciclo de cortes de juros segue distante. Será preciso mais colaboração: do cenário externo e, principalmente, dos nossos próprios esforços.