Estrago no teto de gastos já foi feito
Na semana passada, assistimos à flexibilização do teto de gastos a partir da PEC dos precatórios. A decisão do presidente Jair Bolsonaro de conduzir esta manobra carrega uma semelhança com a decisão do ex-presidente da Argentina Mauricio Macri, ao alterar, em 2017, as metas de inflação para os anos seguintes (de 10% para 15% em 2018 e de “abaixo de 5%” para “abaixo de 10%” em 2019).
A justificava à época era de que as metas estabelecidas em 2016 foram calculadas em um contexto de incerteza e volatilidade e que agora o governo possuía uma visão mais clara sobre os preços da economia e a política monetária.
Ao fim e ao cabo, o objetivo era o velho conhecido populismo, que sempre mostra sua faceta nas proximidades da disputa eleitoral. Macri, eleito com o objetivo de equilibrar as contas públicas e derrotar a inflação, não conseguiu cumprir seu objetivo e preferiu mudá-lo ao invés de perseverar no ajuste e entregar um resultado econômico satisfatório. Não deu outra: perdeu a eleição e piorou a vida dos argentinos.
No Brasil, se passa algo não muito distante do ocorrido em nosso vizinho. Com o objetivo de se aproximar do eleitorado do Nordeste, que há tempos se associa ao PT, o presidente Jair Bolsonaro optou por se desfazer da principal âncora fiscal do país, responsável por levar o Brasil a viver uma realidade que há tempos era desejada e que nunca havia sido possível: um ambiente de juros e inflação baixos.
O estrago no teto já foi feito. Em 2020 e 2021, havia a justificativa da pandemia e que o socorro às parcelas mais vulneráveis da população era uma obrigação moral. O descontrole fiscal resultante dessas medidas foi parcialmente perdoado pelos investidores diante do compromisso de que o teto seguiria vigente para os próximos anos.
Todo cálculo econômico feito na Novus Capital levava em consideração o cumprimento do teto dos gastos nos próximos anos e tínhamos uma relação dívida/PIB encerrando a década por volta de 77%, com superávit primário de 2%. Agora, após a perda da âncora fiscal, nossa relação dívida/PIB terminará a década em 112%, com um resultado primário negativo em 0,6% do PIB.
Pensando mais no curto prazo, nossas projeções de inflação e crescimento para 2022 foram revisadas para 4,8% e 0,5% e a Selic final de ciclo foi elevada para 11,0%.
Como é possível ver, em termos de juros, inflação e crescimento, os resultados também são muito negativos, numa clara demonstração de como uma escolha populista com objetivo de tentar maximizar um resultado eleitoral pode gerar perdas permanentes para a população.
Uma vez que a política fiscal se tornou mais frouxa, como deve ser a resposta da política monetária? A boa gestão econômica mostra que, uma vez que o instrumento fiscal se torna mais frouxo, o instrumento monetário tem que se tornar mais apertado. Ao invés de uma elevação de 100 pontos-base, levando a Selic final do ciclo a 9%, o BC se verá na obrigação de elevar a taxa básica em 150 pontos-base e entregar uma taxa final de 11% como forma de tentar refrear os efeitos negativos da mudança do teto sobre a inflação do ano que vem e sobre as perspectivas inflacionárias para os anos seguintes.
O efeito da política fiscal sobre a inflação, nesse caso, funciona basicamente da seguinte forma: se trata de uma elevação do prêmio de risco cobrado para carregar os ativos brasileiros, o que significa câmbio mais depreciado e juros mais elevados pagos nos títulos do Tesouro do Brasil, e que é, portanto, negativo em termos de atividade econômica futura.
O ano era 2016 e o Brasil precisava urgentemente fazer um ajuste fiscal com vistas a recuperar a capacidade de crescimento futura e a conviver com um ambiente de juro mais baixo. O presidente Michel Temer e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, convenceram os investidores a aceitar um ajuste fiscal a termo, com o compromisso de não permitir uma ampliação real das despesas públicas. Com a aprovação de outras reformas necessárias ao país – como reforma da Previdência, TLP, reforma trabalhista -, o investidor foi capaz de confiar que, apesar dos percalços sempre existentes nas épocas de definição do Orçamento, o regime fiscal doméstico possuía alguma previsibilidade.
Após o ocorrido na semana passada, mesmo com o total de despesas sobre o PIB tendo recuado durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, a opção do populismo fiscal com vistas a aumentar as chances eleitorais fará com que a sociedade brasileira pague um preço muito elevado, com mais inflação, mais juros e menos crescimento. Pobre dessa nação.