Surpresas altistas na inflação, rediscussão do teto de gastos e crise institucional levaram mercado a exigir prêmio de risco elevado na estrutura a termo de juros
Em sua última comunicação oficial, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, indicou que números de alta frequência não alterariam o plano de voo do Comitê de Política Monetária (Copom), indicando que o ritmo de 100 pontos-base de alta segue adequado. A forte mensagem de fazer tudo que estiver ao alcance do BC para atingir a meta estaria atrelada ao nível da taxa Selic e não ao ritmo das altas. Ele já vinha tentando transmitir confiança na projeção do modelo do BC para a inflação dos próximos anos, dizendo que os agentes de mercado estavam com expectativas muito superiores e que os dados fiscais surpreenderam positivamente. As constantes surpresas altistas na inflação, a rediscussão do teto de gastos e a crise institucional recente levaram o mercado a exigir um elevado prêmio de risco na estrutura a termo de juros, indicando que a Selic voltaria ao patamar de dois dígitos. Esse movimento derrubou as ações de empresas que dependem do crescimento econômico, com o temor de novas reduções de expectativas de crescimento para 2022.
De fato, uma desinflação da magnitude que prevemos hoje, de ao redor de 8,50% de IPCA em 2021 para 3,80% em 2022, foi vista poucas vezes em nossa história, o que traz desconfiança do mercado nas projeções do modelo de metas. Nós acreditamos que seja possível, pois, decompondo os choques que estamos enfrentando em 2021, existe uma probabilidade alta de grande parte desse movimento se reverter no próximo ano. A alta de alimentos acumulada nos últimos três anos foi de 33% e só este ano a expectativa é de fechar em 7%. Problemas no clima, alta demanda global e depreciação cambial ajudaram nesse processo inflacionário. Analisando o passado, os últimos períodos de grandes choques de alimentos foram revertidos nos anos seguintes, pois a oferta de grãos para a próxima safra se ajusta aos preços mais elevados. Um componente especial que vamos ter a partir de 2022 é no ciclo de proteína animal. A fase de baixa de preços do ciclo pecuário terá início ano que vem, forçando uma tendência de queda no preço de carnes. O choque de energia elétrica, em função da maior seca da história brasileira, dificilmente se repetirá em 2022 em igual magnitude.
Dos 8,50% da expectativa do IPCA esse ano, 50 pontos-base se devem ao custo das novas bandeiras. Na parte de combustíveis, a alta da gasolina contribuiu com 230 pontos-base do IPCA este ano, e gás de cozinha, 40 pontos-base. Outro importante grupo que está sofrendo choques é o industrial, influenciado pela forte demanda de bens provocada pela pandemia, somado a choques de oferta que estão afetando em particular a cadeia produtiva de automóveis, mas também produtos eletroeletrônicos. O preço de carros novos e usados disparou com a falta de peças e a alta do dólar. A normalização se dará apenas em 2022, também ajudando na desinflação. Do lado negativo para 2022, ainda teremos alta da parte de serviços que foi afetada pela pandemia, mas a alta ociosidade no mercado de trabalho e o juro real elevado durante 2022 vão ajudar a conter um ajuste mais expressivo.
Diferente de grandes ciclos de alta de juros no passado, esse ciclo se dá em um momento de taxa de desemprego bastante elevada e com queda nos rendimentos reais. Não há represamento de preços administrados como no passado. Uma taxa Selic um pouco acima do juro neutro deveria ser suficiente para conter as expectativas dos próximos anos e para combater os choques secundários que estamos enfrentando.
A potência da política monetária aumentou nos últimos anos, principalmente com a alteração na regra de formação da TJLP. A grande parcela de juro subsidiado injetada na economia por parte do BNDES, os fortes gastos para-fiscais e reajustes do salário mínimo acima da inflação oneravam a política monetária, que tinha que ter um juro de dois dígitos para compensar toda essa expansão fiscal e subsídios. As implementações da regra do teto de gastos e a reforma da Previdência também foram fundamentais para reduzir o juro neutro e ampliar a potência do juro na economia.
A intervenção verbal de Roberto Campos Neto foi positiva para ancorar principalmente a parte curta da curva de juros e ganhar tempo para que os seguidos choques na inflação se dissipem. Afinal, a política monetária opera com uma defasagem de 18 meses para impactar plenamente a inflação e um ritmo de subida de juros de 100 pontos-base é bem tempestivo. Por fim, as próximas reuniões já vão começar a dar mais peso para a inflação em 2023.