Efeitos deletérios dos estímulos excessivos começam a ser observados

O caminhão de estímulos colocados na economia global desde a eclosão da pandemia de covid-19 chega em um ponto determinante, que rege sobre seu processo de retirada. As dúvidas sobre o desenvolvimento das vacinas, o andamento do processo de vacinação e o impacto da reabertura vêm sendo aos poucos sanadas e fica a grande questão sobre o momento ideal no qual esses estímulos serão retirados.

Efeitos deletérios dos estímulos excessivos já começaram a ser observados, agora com destaque para as economias desenvolvidas. Para as emergentes, que possuem maior participação de bens agrícolas na cesta de consumo, os efeitos sobre a inflação ocorreram de forma antecipada e exigiram que os bancos centrais também respondessem antecipadamente. A maré começa a virar nos países desenvolvidos, com especial destaque para o que acontece com o mercado de trabalho e inflação nos EUA.

O mercado de trabalho americano sente o impacto de uma política fiscal muito ativa, com uma montanha de dinheiro sendo distribuída para manutenção da renda das famílias no segundo ano de convivência com a covid-19. O resultado fiscal americano saiu de um déficit de 15% do PIB em 2020 para um déficit de 10,3% do PIB em 2021, bem pequeno quando levado em consideração que o ano mostrará um crescimento econômico muito expressivo, com variação de 6,6%.

Observa-se nos EUA uma forte demanda por mão-de-obra, quando vemos os números de vagas oferecidas a cada mês, com a restrição ocorrendo na oferta laboral, ligada à decisão da população de mais baixa renda em não participar do mercado de trabalho no momento, dado que as políticas de manutenção de renda seguem ativas, atrapalhando o livre funcionamento desse mercado e que se tenha informação sobre o real estado dele.

Os números de inflação também mostram algo diferente, com pressão em itens que há muito não se faziam presentes. A redução na oferta de bens duráveis em um ambiente de elevado patamar de renda gerou pressão nesses produtos, o que elevou substancialmente os preços nos últimos meses. O fenômeno é diagnosticado como temporário pelo Fed, por acreditar que a normalização das cadeias de produção global, principalmente de veículos e semicondutores, irá fazer com que a oferta volte a se expandir e os preços voltem ao normal. Por outro lado, os preços de imóveis seguem em elevação, o que deve provocar um aumento nos preços de aluguéis, uma pressão que deve ser vista como mais permanente e preocupante por parte da autoridade monetária. Esses dois pontos evidenciam alguns efeitos deletérios dos fortes estímulos colocados na economia desde o ano passado e que demandam discussão sobre o processo de retirada.

O Fed deverá usar a reunião de sua regional de Kansas City, a ser realizada em Jackson Hole no final de agosto, para sinalizar que procedimentos deverá realizar para iniciar a retirada de estímulos. Com conhecimento do processo de “tapering” feito em 2013 e sabendo que a boa comunicação é a chave, o processo deverá ocorrer de forma suave, sem gerar tanta volatilidade, como ocorrido na experiência anterior. Em termos de política fiscal, o receio inflacionário faz seu papel e deverá limitar experiências muito expansionistas.

Como o Brasil vai se encaixar nesse ambiente? Como país emergente, sentimos antes o aumento dos preços de bens, principalmente alimentícios e duráveis, com destaque para a forte variação nos preços de atacado que vem sendo repassada aos consumidores. Como resposta, o Banco Central do Brasil já vem implementando aumentos na taxa Selic, com movimentos maiores do que os esperados pelo mercado, com vistas à manutenção da credibilidade da política monetária. Esperamos que a Selic encerre o ano em 6,5%, patamar visto como próximo ao neutro.

A política fiscal funcionará como auxiliador da política monetária em 2021 e 2022. Tendo implementado um forte movimento de expansão de despesas em 2020, quando o primário foi deficitário em 10% do PIB, podemos alegar que o Brasil é um dos países que fez o maior esforço em termos de redução dos estímulos fiscais no mundo. A Novus projeta um déficit primário de 2,0% em 2021. Mais uma vez, o país irá se aproveitar dos tempos de bonança global, com o aumento dos preços dos produtos exportados pelo Brasil tendo efeitos muito positivos em termos fiscais e de crescimento, com impactos negativos na inflação por outro lado. Crescimento atual que também é mais saudável, com maior participação do setor privado em comparação ao ciclo anterior de crescimento de 2006-10, que também fora impulsionado pelos preços de commodities.

O teto de gastos se mostrou vital para o país, onde mesmo com uma nova onda de covid exigindo resposta da política fiscal, manteve-se a disciplina futura, trazendo esperanças de que nos próximos anos deveremos ver superávit primário, o que não se observa desde 2013.

A condução da política econômica se tornará mais desafiadora à frente, com o mundo mudando aos poucos a direção dos estímulos e uma inflação mais pressionada domesticamente. O rápido reconhecimento dos riscos inflacionários pelo BCB e a mudança de postura fiscal devem garantir menos volatilidade.