Mas afinal, o que deveria explicar o processo inflacionário no Brasil e no mundo daqui para frente?

Nas últimas semanas, o aumento dos preços no atacado e a permanência dos preços no varejo em patamar abaixo da banda de oscilação da meta trouxeram de volta ao país a discussão sobre o processo inflacionário. Quem acusa o BC de negligenciar os riscos inflacionários arrumou um subterfúgio para justificar o cenário há tempos não concretizado, enquanto o grupo que concentra suas atenções no IPCA corrente segue falando que os riscos são desprezíveis. Mas afinal, o que deveria explicar o processo inflacionário no Brasil e no mundo daqui para frente?

Primeiramente, é preciso lembrar que a pandemia representou uma mudança na pressão de demanda vigente no mundo, com preços de serviços em recuo e preços de bens ganhando participação no orçamento das famílias. As restrições de aglomeração e mobilidade prejudicaram de forma substancial o consumo, e esse espaço no orçamento familiar, turbinado com as medidas de auxílio fiscal concedidas pelo governo, foi realocado em três direções: (1) acúmulo de poupança/pagamento de dívidas; (2) aumento no consumo de bens; (3) e aumento no consumo de serviços que não necessitam de aglomeração. No primeiro caso, o resultado é deflacionário, enquanto nos demais é inflacionário. O efeito inicial observado claramente foi o (1), mesmo na presença de depreciação cambial significativa. A partir do momento em que a dinâmica da doença se estabiliza, as medidas fiscais surtem os resultados desejados e aumenta o otimismo com o crescimento futuro, os efeitos (2) e (3) dominam — e é isso que começamos a observar agora.

Mas estamos vivendo um surto inflacionário ou uma reacomodação de preços relativos? A nossa projeção para o IPCA ao final de 2020 é de 2,4%, com um cenário alternativo de maior pressão de bens levando-o a 2,7%, levemente acima do limite inferior da meta de inflação. Nossas estimativas mostram que devemos esperar pressão nos preços ao consumidor, especialmente nos alimentos, mas com impactos limitados. Assim, a preocupação com um descontrole inflacionário se encontra fora de propósito, no momento.

Para o próximo ano, com o avanço das vacinas, o consumo de serviços deve se normalizar, levando o nível de preços ao patamar anterior. Com isso, bens e serviços não afetados pelas restrições de aglomeração e mobilidade sofrerão uma redução na demanda, gerando normalização nos preços — nesse caso, para baixo. Assim, ainda esperamos que o IPCA fique abaixo da meta em 2021, por conta da existência de hiato, principalmente, no mercado de trabalho.

Para entender melhor a inflação para além dos próximos 18 meses, precisamos entender por quanto tempo ficarão presentes os estímulos econômicos? No monetário, há garantia de expansionismo no mundo por um longo período — o que, em 2008, não foi suficiente para gerar inflação. Mas, em 2020, temos respostas de políticas muito rápidas e renda global sustentada; e uma política fiscal expansionista. Tal combinação deverá fazer com que o mundo apresente maior crescimento e a inflação suba.

No Brasil, as respostas não serão diferentes. O país tem ainda suas questões idiossincráticas, como o risco de perda da âncora fiscal. É preciso segurarmos as despesas, sob o risco de perdermos credibilidade na condução da política econômica. A situação fiscal pode afetar a inflação de duas maneiras: (1) via prêmio de risco enquanto os ativos premiam, a taxa de câmbio sofre depreciação e respinga na inflação —; (2) com a perda do teto de gastos, grupos organizados do funcionalismo vão passar a demandar aumento salarial, o que acaba por gerar aumentos autônomos de salários a despeito da situação de desemprego.

Em tempos passados, o Brasil viveu em um ambiente de desaceleração de atividade e inflação persistentemente elevada e difícil de ser quebrada mesmo com política monetária restritiva. O teto de gastos ajudou a quebrar isso e, portanto, se torna nossa lei mais importante na atualidade. Precisamos preservá-lo.