Na crise de 1929, demoramos anos para a economia se recuperar. A resposta foi deixar a economia se curar da depressão sozinha e no seu tempo.

Vou tratar nesse artigo de um cenário alternativo ao que se tem debatido na imprensa e nas decisões de taxa de juros dos principais bancos centrais no mundo.

Diferentemente das últimas grandes crises, em especial a grande depressão de 1929 e a grande crise financeira de 2008, essa crise tem data e hora para acabar. Assim que a vacina estiver disponível para grande parte da população global, vamos vivenciar uma recuperação muito forte na atividade, devido ao grande estímulo fiscal e monetário implementado recentemente. Esse grande choque positivo de demanda em um curto espaço de tempo pode ser suficiente para várias economias iniciarem um ciclo de alta de juros muito mais cedo do que o imaginado.

Na crise de 1929, demoramos anos para a economia se recuperar. A resposta foi deixar a economia se curar da depressão sozinha e no seu tempo. Em 2008, o governo americano teve que implementar um plano para salvar o sistema financeiro. Em troca de usar o dinheiro dos impostos dos americanos para salvar os bancos, um rigoroso arcabouço regulatório ao sistema financeiro foi implementado, atrasando a retomada da economia.

A crise atual é de expectativas. As pessoas estão em casa, sem consumir serviços e com medo de adoecer e de perder o emprego. A resposta dos governos e dos bancos centrais foi muito forte e rápida. Trilhões foram injetados nas economias e cheques foram enviados para as famílias mais atingidas pela recessão. Quando olhamos no agregado de toda a população, a poupança teve um forte aumento devido às transferências do governo para as pessoas.

O Banco Central (BC) brasileiro e o banco central americano (Fed) se reúnem hoje para transmitir suas expectativas para o grau de estímulo monetário para os próximos meses, dado que a decisão de estabilidade da taxa no Brasil em 2,0% e nos EUA em zero são amplamente esperadas. A grande preocupação dos BCs no momento está em como a economia vai reagir quando os auxílios emergenciais terminarem.

A parcela mais pobre da população, que está recebendo o auxílio, está gastando em compra de materiais de construção e eletrodomésticos. Já as classes média e alta estão poupando, devido às incertezas com a crise. O debate de qual efeito irá prevalecer vai ser o tema central das discussões dos bancos centrais daqui para frente. Será que as classes média e alta vão voltar a gastar e compensar o fim do auxílio que a camada mais carente da população está recebendo? Qual será a velocidade da retomada do emprego?

Essa incerteza tem levado os BCs a serem mais conservadores, se preocupando em estimular mais a economia. Nos EUA, o presidente do Fed, Jerome Powell, já antecipou a mudança da função de reação nos próximos anos. O Fed vai permitir uma inflação mais alta à frente, para compensar o período de inflação mais baixa – mesmo que o desemprego volte para o patamar anterior à crise. O BC brasileiro em sua última reunião introduziu no comunicado a vontade de se comprometer em não subir o juro por um longo período.

É fato que se analisarmos os modelos de previsão para o crescimento e inflação, baseando-nos nas crises passadas, não devemos temer uma forte recuperação da economia, e esse grau de estímulo monetário e fiscal devem permanecer por muito tempo. A pergunta a ser feita é: e se a vida voltar ao normal em um trimestre após a vacina?

A equipe de economistas do Banco Itaú realizou recentemente um estudo, analisando as regiões mais afetadas pelo auxílio emergencial e seu impacto na mobilidade e na atividade. O fator decisivo para o consumo de bens e serviços nessas regiões não foi a quantidade de auxílio recebido, mas o controle de mortalidade por covid-19. O consumo de municípios com menor repasse e menor mortalidade está acima daqueles com maior repasse e maior mortalidade. “Como os municípios que apresentam forte retomada até agora têm um peso pequeno na economia nacional, a atividade econômica do país tende a acentuar a sua recuperação, quando a pandemia for controlada.”

Fizemos uma simulação de como seria o impacto na atividade no início de 2021, caso a vacinação já seja iniciada. Com a vacina, o consumo de serviços voltaria rapidamente. Restaurantes, negócios relacionados a turismo e aviação voltariam a recontratar, pois teríamos uma forte retomada da demanda nesses setores. Estimamos uma queda de 2% da taxa de desemprego e um aumento da NUCI de 2%, o que seria suficiente para o Brasil crescer entre 5% e 6% em 2021. O modelo de metas do BC estaria projetando a inflação para 2022 e 2023 entre 4,5% e 5,0%, sendo que as metas de inflação respectivamente são de 3,5% e 3,25%. O BC estaria discutindo subir o juro já no meio do ano, mas por um bom motivo – a retomada mais forte da economia.

A mensagem principal é: há um cenário de elevada probabilidade em que a economia não apresente a lenta recuperação que se espera e que foi observada em anos anteriores. Para os que gostam de história, relatos da gripe espanhola no Rio de Janeiro em 1919 mostram que, após o término da primeira onda da pandemia, tivemos o maior Carnaval de todos os tempos, com a população em massa saindo às ruas e comemorando a volta da rotina. Imagina como será o Carnaval de 2021 com a vacina.