Estamos vivendo um período único, em que os limites e políticas estão sendo testadas, e o Brasil não passará incólume por isso
Na última reunião do Copom, em março, a taxa básica foi reduzida de 4,25% para 3,75% ao ano e um debate que acontecia apenas em economias desenvolvidas passou a dominar o meio acadêmico dos países emergentes, inclusive do Brasil, sobre qual o limite da taxa de juros.
Isso é possível, pois, pela primeira vez em um ambiente de crise global, com forte aversão a risco, a resposta em países emergentes tem sido similar à dos desenvolvidos, com redução de juros e, em alguns casos, até discussões de atuação dos bancos centrais comprando títulos longos para reduzir a inclinação da curva de juros. O movimento está ocorrendo por conta do forte choque deflacionário, decorrente da retração da demanda global – em especial de serviços -, e está mais do que compensando a desvalorização cambial que os países emergentes estão sofrendo.
No Brasil, Carlos Kawall e Gustavo Ribeiro publicaram um artigo no blog do IBRE, no qual os autores utilizam a bibliografia de Ben Bernanke e John Williams para estimar qual seria a taxa de juros mínima que poderíamos ter no Brasil, sem gerar distorções nos mercados de ativos e de crédito e no sistema bancário, levando assim a resultados contraproducentes. A conclusão do estudo é que o Brasil se beneficiaria das mesmas políticas adotadas em países desenvolvidos, podendo adotar taxas próximas a zero e atuar no mercado secundário de títulos. Os autores não encontraram evidências de que haja emperramento do mecanismo de transmissão da política monetária via um efeito não convencional sobre as condições financeiras.
Do lado oposto, temos os que argumentam que a forte inclinação positiva da curva de juros e a dificuldade do Tesouro em se financiar nas atuais taxas de mercado já seriam justificativas para o Banco Central encerrar o ciclo de queda de juros. Já estaríamos em um ambiente contraproducente, pois o corte de juros não está sendo transmitido pela curva de juros de mercado. Além disso, o real já teve uma desvalorização de 38% este ano, abaixo apenas da moeda argentina, que desvalorizou 53%.
Algumas outras métricas para tentar estimar o patamar de juro mínimo que o Brasil suportaria é olhar o juro curto nos Estados Unidos (0,15%) mais o risco país de curto prazo (1,75%), que hoje daria ao redor de 2,00%.
Outros países da América Latina estão testando patamares mais baixos de juros. Chile e Peru, que não apresentam problemas fiscais e estruturais, estão levando os juros para próximo de zero, igual aos países desenvolvidos. O Peru, em uma reunião extraordinária, reduziu a taxa em 1%, levando-a à mínima de 0,25%; já o Chile baixou o juro para 0,50%. Mesmo em países com problemas fiscais, seguem caindo os juros. A Colômbia reduziu a taxa para 3,75% e indicou que vai continuar cortando. Já o México, em mais uma decisão extraordinária, caiu 0,50%, para 6,00%, e também sinalizou a continuidade do ciclo de queda.
O Banco Central divulgou no último relatório de inflação um indicador de condições financeiras que está ajudando o comitê a avaliar se novos cortes de juro vão ter efeito positivo na economia. Os principais pesos do índice são as taxas da curva de juros de um ano e cinco anos, as taxas de juros dos principais países desenvolvidos, o risco país (CDS de cinco anos) e uma cesta de moedas composta por vários países. Esses indicadores melhoraram bastante desde a última reunião, com a exceção da cesta de dólar. O índice que mede a volatilidade da bolsa americana estava em 76% e caiu para 37%. O CDS de cinco anos, que mede o risco país, estava perto de 400 pontos-base e agora voltou para próximo de 300 pontos. Juro de um ano no Brasil caiu de 5% para 3% e o de cinco anos, de 8,20% para 6,80%. A forte atuação do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), que adicionou rapidamente US$ 2 trilhões de compras de ativos em apenas um mês, assim como de outros BCs de países desenvolvidos, foram os fatores a auxiliar na melhora das condições da economia.
A sinalização dos principais diretores do BC desde a última reunião em eventos abertos para imprensa e integrantes do mercado foi de que ainda não tinham chegado perto do limite dos juros no Brasil. Essa comunicação permitiu a interpretação de que, passado o auge da turbulência, estariam dispostos a levar a taxa básica rapidamente para um novo equilíbrio de curto prazo.
A aprovação da PEC da Guerra, que dá poderes para que o Banco Central atue no mercado de crédito e de títulos durante momentos de calamidade pública, e a PEC dos Estados que, em contrapartida à ajuda fiscal no curto prazo, aprovou congelamento de reajuste do setor público durante 18 meses, deu mais segurança no horizonte fiscal de curto e médio prazos. A crise política, por outro lado, adiciona incerteza para o equilíbrio fiscal de longo prazo e joga a política monetária para o lado da cautela. Estamos vivendo um período único, em que os limites e políticas estão sendo testadas, e o Brasil não passará incólume por isso.