Traçando similaridades entre EUA, Reino Unido e Brasil, vemos que há um assunto em comum ao redor do mundo, com consequências econômicas significativas, principalmente para a política monetária

Os leitores desta coluna provavelmente já saberão o resultado das eleições dos Estados Unidos, e ela tem implicações relevantes para a trajetória fiscal da mais importante nação do mundo. Traçando similaridades entre Estados Unidos, Reino Unido e Brasil, vemos que há um assunto em comum ao redor do mundo, com consequências econômicas significativas, principalmente para a política monetária.

Nos Estados Unidos, a trajetória da dívida pública estimada pelo CBO, órgão do Congresso americano responsável por analisar a dinâmica futura das contas públicas, é que a relação dívida/PIB alcançará 130% entre 2033 e 2034, um patamar impensável no período pré-covid. Além disso, os Estados Unidos vêm rodando com um déficit na casa dos 7,0% do PIB, com a projeção do CBO se mantendo pouco abaixo desse patamar pela próxima década. Isso traz implicações para a dinâmica dos juros futuros nos Estados Unidos (risco de monetização da dívida), mas também para a dinâmica da Fed fund de curto prazo, com o fiscal mais frouxo mantendo uma perspectiva de demanda firme, de forma que o Fomc deve ter dificuldades de levar a taxa básica de juros de volta ao patamar considerado neutro.

Não vemos de nenhum lado, seja democrata ou republicano, uma urgência para se tratar do assunto fiscal. As promessas democratas seguem na linha de ampliar a rede de proteção social das famílias americanas, com tentativa de financiá-la via aumento da tributação das empresas, algo que será difícil de ser aprovado no caso de um Congresso republicano. Por outro lado, a estratégia do ex-presidente Donald Trump de redução dos impostos corporativos, a ser financiada pela redução dos gastos públicos diante de ganhos de eficiência e redução de desperdícios, dificilmente terá sucesso. De todo modo, o risco fiscal na maior economia do mundo é crescente, e o prêmio a ser cobrado pelos ativos tende a ser cada vez maior e trará limitações à operacionalização da política monetária.

No Reino Unido, em que uma primeira-ministra foi retirada do cargo há dois anos, a tentativa do partido trabalhista de entregar um pacote de aumento dos dispêndios públicos financiado pelo imposto sobre mão-de-obra e sobre corporações não foi bem-vista pelo mercado sob duas óticas. A primeira, mais direta, é a noção de que os custos de carregar a dívida britânica serão mais elevados, fazendo com que o prêmio de carregamento exigido sobre os títulos fique mais alto. A segunda relação tem a ver com a política monetária do BC da Inglaterra, com o impacto sobre a inflação dos custos laborais mais elevados (atrapalhando principalmente a convergência da inflação de serviços), que coloca em dúvida qual a capacidade do comitê em levar a taxa básica de juros para o nível neutro, com o mercado mudando a precificação de juros para os próximos 12 meses.

Finalmente, chegamos ao Brasil, cuja relação dívida/PIB se encontra em patamar ascendente e cujo prêmio cobrado para carregamento dos títulos públicos se encontra cada vez mais elevado. Mais uma vez a política fiscal se mistura não somente com o prêmio cobrado nos títulos mais longos, como também com as decisões sobre a taxa Selic por parte do BCB.

A ausência de uma perspectiva de correção da dinâmica das despesas de forma estrutural leva a comportamento mais negativo do câmbio, elevando as perspectivas de inflação via preços importados. Além disso, uma dinâmica de despesa com forte crescimento faz com que o estímulo fiscal para o crescimento do PIB siga elevado, gerando pressão sobre o hiato do produto e afetando a dinâmica de inflação mais ligada a fatores domésticos, que chamamos de não-comercializáveis.

Por isso, o pacote fiscal a ser enviado em breve pelo governo ao Congresso é tão importante. Caso seja bem-recebido pelo mercado, veremos uma redução no prêmio exigido sobre os títulos domésticos, um câmbio mais apreciado e uma pressão menor sobre os fatores de produção, derrubando as projeções de inflação e, com isso, dando a possibilidade de o Copom interromper o processo de elevação da Selic em um patamar menos elevado.

Como visto, a dinâmica fiscal se tornou primordial para a maioria dos países do mundo, seja emergente ou avançado. Os juros no mundo só poderão alcançar patamares mais baixos se tivermos um respeito à dinâmica de receitas e despesas do setor público. Caso contrário, viveremos por um longo período com juros mais elevados no mundo todo.