A grande questão ainda existente na economia e que pode afetar a condução da política monetária é o risco fiscal

Os comitês de política monetária dos bancos centrais de Brasil e Estados Unidos se reúnem hoje com vistas a definir a taxa de juros básica de suas economias para os próximos 45 dias e dar uma indicação sobre qual direção e magnitude deveremos pensar sobre os juros ao longo de 2024.

Este ano promete algumas diferenças com relação aos últimos vividos. Em termos macroeconômicos, há indicações iniciais de que as autoridades monetárias ao redor do mundo tiveram muito sucesso em controlar a inflação, que apresentou ao longo de 2022 e no início de 2023 sinais de divergência grande com relação aos objetivos.

Quando os primeiros números de inflação começaram a indicar uma tendência de divergência em 2021, o Fed se apressou a justificar a alta citando fatores temporários como causa da inflação, não vislumbrando toda a força altista de preços que ocorreu a partir daí. Como sabemos, a resposta dos BCs globais ocorreu de forma intensa, com elevações da taxa básica de juros para patamares muito acima do que se imaginava.

A resposta tradicional que se imaginava contempla o seguinte mecanismo: um aumento na taxa de juros nominal levaria a um recuo na atividade econômica, que por sua vez impactaria a demanda por mão de obra, reduzindo o poder de barganha dos trabalhadores ao definir salários, baixando a pressão por aumento salarial e, consequentemente, gerando redução da inflação.

Quando observamos os dados de demanda por mão de obra na economia americana, vemos um forte ajuste, com redução substancial de vagas de trabalho em aberto sem contrapartida no aumento da taxa de desemprego, o que permitiu que a desinflação ocorresse sem grandes custos para a sociedade. Além desse mecanismo mais tradicional, há também o efeito das expectativas de inflação.

Como os agentes esperam que o aperto monetário gere redução na demanda na inflação futuramente, a decisão inicial já é alterada e o repasse dos preços não ocorre, levando a uma maior rapidez no controle de preços. De fato, o efeito sobre as expectativas de inflação foi relevante e célere, fazendo com que o custo social da desinflação recuasse.

Esses foram os dois principais mecanismos que podemos observar para explicar o sucesso na condução da inflação ao menor custo social possível. Esse processo permitirá que, mesmo em um ambiente de atividade econômica aquecida e desemprego próximo ao mínimo histórico, os bancos centrais comecem um processo de redução da taxa básica de juros nos próximos meses, tanto nos EUA quanto na Europa.

E como isso afeta a economia brasileira e a condução de política monetária? O Copom vem deixando muito claro em suas comunicações que não vislumbra a necessidade de acelerar o ritmo de cortes de juros. Por outro lado, um menor patamar de juros no mundo levaria a um aumento do diferencial de juros da economia brasileira em relação ao resto do mundo, gerando uma tendência de apreciação cambial, que tende a trazer alívio ainda maior na inflação doméstica via preços comercializáveis. A inflação mais baixa, por sua vez, permitiria ao BCB alongar ainda mais o ciclo de queda de juros, em passos mais lentos, mas alcançando patamares mais baixos do que se vislumbra atualmente.

O que pode atrapalhar os planos do Fed e BCB neste momento? A grande questão ainda existente na economia e que pode afetar a condução da política monetária é o risco fiscal. Nos EUA, o ano eleitoral e o extremismo da disputa entre democratas e republicanos muito provavelmente terá como vítima o pagador de impostos americano, com tendência de expansionismo fiscal em ambos os lados, seja via redução de impostos ou via aumento de despesas.

No caso brasileiro, apesar da nova âncora fiscal aprovada no Congresso e de diversas tentativas de recuperar receitas, o quadro fiscal segue muito problemático e sem muita perspectiva positiva no curto prazo. A desinflação imaculada e sem custos ocorrida desde o ano passado traz ventos positivos para a economia global. Os riscos fiscais seguem presentes e podem atrapalhar a festa, convém trabalhar para corrigi-los.