Indicações conflitantes desde a última reunião, com pontos positivos no campo da inflação e riscos relacionados à alta dos juros longos nos EUA e à política fiscal, irão determinar o processo decisório do Copom

O Copom se reúne hoje com um conjunto de informações nada simples para sua tomada de decisão sobre política monetária. Desde a última reunião, temos indicações conflitantes que irão determinar o processo decisório do comitê.

Por um lado, a inflação segue a trajetória em direção à meta, com os núcleos de inflação recuando e dando a sensação de que o processo inflacionário foi controlado. Por outro, dois riscos muito perigosos se avolumaram: (i) as taxas de juros nos vértices mais longos da curva dos EUA seguiram se elevando e pressionando o custo de financiamento da dívida americana – e, consequentemente, pressionando também o custo de financiamento das dívidas dos demais países ao redor do mundo; (ii) o risco fiscal voltou aos holofotes, após a indicação pelo presidente do Brasil sobre uma mudança da meta de primário a ser perseguida no próximo ano, para que o governo não tenha que incorrer em cortes de gastos, o que colocou em xeque a credibilidade do novo arcabouço fiscal.

Mas qual seria o canal de transmissão desses riscos negativos para a inflação e, consequentemente, para a política monetária?

O efeito mais rápido e direto se dá pela moeda. Um menor diferencial de juros contra o resto do mundo, ou um aumento na percepção de risco em nossos ativos, tende a gerar um movimento de saída de recursos do país, levando a uma depreciação cambial. O caso mais recente a que podemos nos remeter é o do Chile, cujo ciclo de política monetária se iniciou de forma bem agressiva, com cortes de juros maiores que o esperado pelos agentes econômicos, o que levou a moeda a sofrer mais que seus pares. Em sua mais recente reunião, o Banco Central decidiu ser mais conservador justamente devido aos riscos dos impactos de uma moeda mais fraca sobre a inflação futura.

Um segundo efeito – que tende a ocorrer de forma mais lenta, mas que não é menos relevante – é o efeito sobre a demanda. Um fiscal mais expansionista que o esperado neste momento gera um impulso de demanda indesejado pela política monetária, elevando a pressão sobre os fatores de produção e gerando pressão sobre a inflação futura. O caso dos EUA deixa claro qual a resultante de uma política fiscal expansionista em uma economia onde o banco central tenta conter a inflação. Mesmo com a taxa de juros básica tendo se elevado acima de 5%, a atividade econômica americana, sustentada pelo consumo das famílias, segue crescendo a taxas acima do potencial e deixa o Fomc ainda pressionado e confuso, sem ter clareza se novas altas de juros são necessárias com vistas a gerar a desaceleração da atividade exigida para o pleno controle da inflação.

O Copom iniciou o processo de corte de juros com uma dose levemente mais agressiva do que o esperado e, desde então, as sinalizações seguem sendo de manutenção do ritmo de cortes de 50 pontos-base nas reuniões posteriores, em uma forma de emitir um “guidance” de que ainda estaríamos distantes do ponto final do ciclo e que não necessitaríamos discutir no curto prazo um ritmo diferente para os cortes de juros.

A dúvida que se coloca no momento é: diante dos riscos apresentados, o Copom pode se dar ao luxo de seguir indicando dois cortes adicionais de 50 pontos-base nas reuniões vindouras ou deveria mudar a estratégia sob os riscos de uma maior depreciação cambial ou de uma maior inclinação da curva de juros que atrapalhe a condução da política monetária?

Como destacado anteriormente, a inflação segue muito contida, com melhoras em todos os seus determinantes. Com isso, os modelos de projeções condicionais seguem indicando para os próximos anos uma inflação ao redor da meta (principalmente em 2025), mesmo com cortes de juros que levam a Selic para o entorno de 9,0%. Por outro lado, na velocidade de deterioração dos condicionantes externo e fiscal, seria arriscado dar um guidance para daqui a três meses sob o risco de não poder confirmá-lo.

Por isso, neste momento, a melhor opção para o Copom seria indicar mais um corte de 50 pontos-base somente para a reunião de dezembro de 2023 e citar que irá observar os riscos internos e externos para decidir qual o patamar final da Selic e o ritmo dos movimentos nas reuniões de 2024, sob a ameaça de sofrermos uma depreciação cambial que poderá atrapalhar a convergência da inflação para a meta e que teria efeitos ainda mais custosos ao país. É a hora de o Copom reconhecer os riscos, ter serenidade e seguir avançando no processo de desinflação.