Espaço para cortes de juros é limitado

As quebras do SVB Bank e do Signature Bank alteraram completamente o ambiente para as reuniões do Copom e do Federal Reserve, que se encerram hoje. O setor bancário americano e europeu sofreu forte queda com a crise de confiança dos depósitos dos bancos menores nos EUA, o que, como consequência, acabou contaminando grandes bancos europeus. Nos EUA, o mercado espera mais uma alta de 0,25%, para 4,875%, em meio a uma forte pressão para o Fed encerrar o ciclo de alta. No Brasil, o governo vai estar atento ao comunicado do Copom, buscando pistas sobre quando o BC poderá iniciar um ciclo de corte da Selic.

O presidente do Fed, Jerome Powell, prestou seu testemunho anual perante o Congresso americano em 7 de março. Seu discurso foi considerado “hawkish” por integrantes do mercado, pois sinalizou a possibilidade de acelerar o ritmo de alta de juros em 0,50% nessa reunião, a depender dos números de atividade e inflação – que, de fato, vieram fortes. O mercado de trabalho segue muito apertado e o núcleo de inflação sinalizou que a pressão sobre serviços segue acelerando. Uma taxa de juros perto de 6% se desenhava como uma das possibilidades que o Fed poderia sinalizar na reunião.

Tudo se alterou com o medo de corrida bancária nos EUA, que gerou um aperto nas condições financeiras e levou o mercado a precificar cortes de juros e um Fed fund ao final deste ano de 3,50%. Nas últimas crises, o Fed sempre atuou rapidamente para cortar o juro – mas, desta vez, estamos em um ambiente ainda muito inflacionário. Assim, o espaço para cortes será muito limitado e o Fed poderá incorrer no mesmo erro da década de 1970, em que iniciou um ciclo de afrouxamento monetário com os primeiros sinais de recessão e acabou alimentando a inflação nos anos seguintes.

O Copom se reúne em meio a uma forte pressão para sinalizar o início de um ciclo de corte de juros. O governo tem criticado a postura do BC, devido à sua independência, por não ajudá-lo. Em sua última decisão, o BC reforçou sua postura vigilante e afirmou estar avaliando se a estratégia de manutenção dos juros por um período mais prolongado seria capaz de garantir a convergência da inflação para a meta. No comunicado de fevereiro, os membros do comitê foram muito duros com a situação fiscal e com a expectativa de inflação – que estavam desancorando em prazos mais longos – mas reconheceram o esforço do governo em atenuar os efeitos da PEC do Estouro.

A “bala de prata” do governo seria antecipar o anúncio do novo arcabouço fiscal para ajudar o cenário para o BC iniciar os cortes na Selic. O desenho do novo arcabouço ainda não foi divulgado, mas os indícios vão na direção de uma estrutura que comporte uma regra de gastos, possivelmente atrelada a uma meta de primário que tenha componente anticíclico, de forma a dar ao governo maior flexibilidade diante de flutuações do ciclo econômico. Apesar da existência de uma nova regra de gastos, ela deve ser bem mais frouxa que o teto vigente até então, com diferentes regras de indexação/crescimento, a depender do tipo de despesa e podendo ter inclusive alguns gastos excetuados. Para além da estrutura a ser apresentada, serão cruciais os parâmetros utilizados nas simulações e que, sendo muito otimistas, podem sinalizar uma estabilização/convergência da dívida a médio prazo, difíceis de serem alcançados em cenários mais realistas.

Hoje deverá ser um dia de decepção com as decisões do Fed e Copom. O mercado global ainda está anestesiado por sempre ter os BCs jogando uma boia para não se deixar afogar. Nesse ambiente inflacionário, o Fed vai ter cautela e aguardar os próximos indicadores de atividade e inflação para decidir se, de fato, encerra o ciclo de alta nesta reunião. O Fed precisa de uma recessão para frear a força do mercado de trabalho e controlar a inflação de serviços.

O cenário de uma inflação global baixa e controlada provavelmente não retornará, por conta de fatores estruturais que já discutimos neste espaço. Em especial, a inversão da demografia chinesa – que exportou deflação de bens – e, agora, junto à nova ordem geopolítica, vai passar a exportar inflação. A pandemia e a mudança de matriz energética aceleraram essa transição para um mundo mais inflacionário.

O Copom deve enfatizar também em seu balanço de riscos que está monitorando o canal de crédito na atividade, para um possível impacto dos eventos externos e internos. Mas continuará centrado no risco fiscal e no aumento das expectativas de inflação na pesquisa Focus – acima da meta do CMN nos próximos anos. O governo, que pressiona para uma queda iminente da taxa de juros, vai se frustrar com a falta de sinalização da autoridade monetária de um corte de juro na próxima reunião.