Brasil pode se posicionar bem para atrair fluxos para investimento e carteira em cenário de retomada da China e fim do aperto de juros nos EUA

O ano de 2022 está acabando e já entrou para a história como o pior dos últimos 50 para quem tinha alocação em bolsa e títulos do Tesouro, na famosa composição 60/40. A bolsa americana, que começou o ano em 4.800 pontos (S&P 500), atingiu a mínima de 3.490 em outubro, acumulando uma perda de 27%; já o título americano de 10 anos, que iniciou o ano em 1,55% e atingiu a máxima de 4,33% em outubro, totalizou perdas de 17% no ano. Os fundos de pensão foram os principais perdedores com essa performance.

O Fed, banco central americano, iniciou o ano desistindo do argumento de que a inflação era transitória e começou o maior ajuste da taxa de juros desde a época de Paul Volcker. Os aumentos se iniciaram em 25 pontos-base, viraram 50 pontos-base e aceleraram para 75 pontos-base – acumulando 375 pontos-base no ano, adicionados de mais 50 pontos-base na reunião da semana que vem, o que totalizou um ciclo de 425 pontos-base de alta no ano.

No início do ano, o presidente do Fed, Jerome Powell, sinalizou que o foco seria combater a alta da inflação sem se preocupar com os custos de seus efeitos na atividade. Inclusive, em seu discurso em Jackson Hole, o porta-voz enfatizou que não poderia repetir os erros do passado, em que o Fed encerrou, erroneamente, o ciclo de aperto após números mais fraco de atividade. O resultado foi uma continuidade na alta da inflação, resultando em um aperto monetário mais forte.

A guerra entre Ucrânia e Rússia tornou esse cenário mais desafiador. Um choque de commodities agrícolas e de energia ajudou a alimentar a inflação no mundo. A Ucrânia, como uma das maiores exportadoras de trigo do mundo, junto à Rússia, um dos maiores produtores de gás e petróleo do planeta, ficaram próximas de iniciar uma terceira grande guerra mundial, envolvendo a Europa e os EUA, junto com a Otan.

Já não bastasse a alta do petróleo e do gás na Europa, outro fator que entrou em campo e terá efeitos mais estruturais são as fortes restrições impostas sobre a Rússia, que vão transformar a alocação de ativos entre países nos próximos anos. O direito de propriedade, que sempre foi um grande atrativo de fortes fluxos de capitais entre países (principalmente dos que possuem um fraco histórico de democracia), foi extinto repentinamente. Com as sanções, o cidadão russo que tinha propriedades no Ocidente perdeu este acesso – e essa medida radical vai acelerar o processo de desglobalização, que, junto com a reversão do bônus demográfico (principalmente da China), contribui para alterar o equilíbrio de juros baixos e inflação baixa vividos nos últimos 15 anos. Agora, os países desenvolvidos do Ocidente vão ter incentivos a realocar a capacidade produtiva para próximo de casa, mesmo que isso signifique um custo mais elevado.

Além do forte movimento de queda das bolsas e alta de juros, a força do dólar surpreendeu. O índice DXY, que compõe os principais parceiros comerciais dos EUA, teve uma valorização de 20%, causada pela perspectiva de crescimento e pelo aumento do diferencial de juro dos EUA com o resto do mundo. Mesmo assim, as moedas de emergentes se comportaram bem ao longo do ano. Os bancos centrais desses países subiram bastante o juro de forma antecipada, o que ajudou a neutralizar o impacto na moeda.

A China seguiu ao longo de 2022 com sua política de covid zero, o que impactou negativamente o crescimento global. Os chineses ainda não voltaram à normalidade pré-pandemia. Mas os sinais recentes são animadores para a perspectiva em 2023. Aos poucos, estão flexibilizando as restrições e reabrindo a economia. Da mesma forma que vimos um impacto positivo no consumo de serviços, como viagens e lazer, no Ocidente, imagina-se o impacto de um retorno ao consumo da população chinesa em 2023. Vamos ter a segunda maior economia rebalanceando o crescimento global. Esse cenário vai ser muito positivo para os países emergentes que saíram na frente para controlar a inflação.

O presidente do Fed, em discurso recente, sinalizou que está satisfeito com os avanços até aqui e está confiante que a inflação vai iniciar uma trajetória de convergência ao longo de 2023. Alguns itens ligados a bens estão revertendo na ponta e vão ajudar a trazer a sensação de que o pior já passou. Assim, quando o mercado de trabalho sentir o aperto das condições financeiras, o processo de desinflação vai se acentuar.

O Brasil está bem posicionado para atrair fluxos para investimento e carteira em 2023. Temos recursos naturais, um grande mercado consumidor, exportador de commodities e democracia com instituições estáveis. Basta o novo governo sinalizar responsabilidade fiscal e continuar com a agenda de reformas para aproveitarmos essa janela positiva que vai se abrir em 2023 com a retomada da China e o fim do aperto de juros nos EUA.