Não há disposição para financiar histórias que subvertem lógica econômica; mercado global não mostra apetite para financiar aventura, seja de emergentes ou países ricos

O Copom se reúne hoje e irá manter a taxa básica de juros em 13,75%. Mais importante do que a própria decisão em si é pensar sobre os determinantes da política monetária no ano que vem. O mundo não está disposto a financiar histórias que subvertem a lógica econômica.

O Banco Central do Japão e sua política ultraestimulativa de controle da curva de juros tem sofrido com forte depreciação de sua moeda, que, no ano, apresenta performance inferior somente a Turquia e Argentina, dois casos clássicos de fracasso na condução econômica. A Inglaterra, que testou uma política fiscal mais expansionista em meio a um cenário de um BC ainda pouco convicto na necessidade de apertar sua política monetária, foi obrigada a lançar liquidez a mercado, a fim de salvar seus fundos de pensão, e causou a rápida queda do governo de Liz Truss, artífice da equivocada decisão de testar os limites da política econômica.

O juro real pago pelos títulos de dívida dos EUA se encontra em seu maior patamar desde a grande crise financeira de 2008, demonstrando qual o prêmio cobrado atualmente pelos investidores para carregar a dívida de países avançados. O mercado global não possui apetite para financiar nenhum tipo de aventura econômica, seja de emergentes ou de países ricos.

Nessa seara, poderíamos argumentar, inclusive, que os emergentes possuem uma vantagem comparativa forte, dado que o problema global é a inflação e há clara dificuldade dos desenvolvidos em lidar com esse fenômeno, enquanto os emergentes têm profundo conhecimento do assunto e lideraram o processo inicial de redução dos estímulos monetários, com destaque para o Banco Central do Brasil. Dito isso, o bem escasso que será perseguido pelos investidores será o da inflação baixa, e países que fizeram seu dever de casa de forma antecipada e bem-feita.

Por isso é tão importante observar quais desenvolvimentos fiscais ocorrerão após o segundo turno das eleições presidenciais no próximo domingo. Desde o início do calendário eleitoral, já tivemos ampliação (por duas vezes) do valor do Auxílio Brasil, inclusive com aumento do número de pessoas atendidas. Tivemos auxílio-gás; benefício para os caminhoneiros; auxílio para taxistas; subsídio ao transporte público de maiores de 65 anos; subsídio para o etanol; renúncia dos tributos federais de diesel, gás, gasolina e redução linear do IPI. Essas medidas custaram aos cofres públicos, neste ano, a bagatela de R$ 160 bilhões. Além disso, há ainda a decisão de limitar o imposto máximo cobrado pelos estados no ICMS sobre combustíveis, que em um primeiro momento não gerou impacto sobre as finanças do Tesouro Nacional e sim dos estados. Mas, por outro lado, dado o impacto sobre as finanças estaduais, o Tesouro será chamado a socorrê-los caso a medida não seja revertida no ano que vem.

Se juntarmos a esses pontos as promessas de isenção de IR até R$ 5 mil de renda mensal, auxílio extra de R$ 150 por criança das famílias beneficiárias do Auxílio Brasil (AB), 13º salário para as beneficiárias do AB, aumento real do salário mínimo, atualização da tabela e zeragem da fila do SUS, e aumento real do funcionalismo, o impacto dessas medidas para o orçamento do ano que vem varia de R$ 150 bilhões a R$ 400 bilhões, tamanho significativo.

Assistimos a uma verdadeira corrida para utilização dos recursos do Tesouro Nacional de forma pouco consequente no período eleitoral, e quando olhamos para o ocorrido no exterior parece que a vontade do mundo em financiar o país estará altamente atrelada à nossa capacidade de implementar essa agenda com o menor impacto fiscal possível.

A teoria do ciclo político nos ensina que governos preferem fazer ajustes nos dois primeiros anos, a fim de colher os benefícios mais próximos à disputa eleitoral subsequente, maximizando a probabilidade de manutenção do poder. Com isso, é recomendado postergar para os períodos à frente a implementação total da agenda eleitoral, a fim de ser minimamente possível governar nesse ambiente em que vivemos. Saber qual o tamanho do rombo fiscal que o mercado está disposto a financiar se tornou a variável relevante.

A implementação de uma agenda fiscal crível no ano que vem permitirá que o país seja visto como um queridinho pelos mercados, aproveitando-se do fato de nosso arranjo monetário já estar ajustado. Com isso, a inflação, que já se encontra em trajetória de queda (ao contrário do resto do mundo), consolidará sua descendência em direção à meta e permitirá que o BC do Brasil inicie um processo de queda de juros, sendo um dos precursores nesse processo no mundo. O Brasil tem a faca e o queijo na mão para ter um 2023 alvissareiro, e depende da nossa classe política aproveitar ou não.