Modelo de metas de inflação consegue sobreviver em ambiente diferente, em que variações de oferta se tornam tão importantes quanto as de demanda?

O Copom e o Fomc se reúnem hoje diante de um ambiente econômico diferente do observado até recentemente e que norteava as decisões de política monetária. O modelo de metas de inflação se baseia em expectativas racionais e supõe que, uma vez que a meta de inflação seja determinada e acompanhada por uma autoridade monetária com credibilidade, há plena confiança na convergência da inflação para os arredores da meta, o que facilitaria o trabalho dos bancos centrais.

Desde meados de 2020, no entanto, estamos convivendo com um novo fenômeno, inicialmente tratado como temporário, mas que já começa a apresentar características mais duradouras, trazendo receios que há tempos não eram vislumbrados.

Trata-se do fenômeno dos choques de oferta, que aos poucos deixa de ser considerado algo extraordinário e passa a ser considerado mais corriqueiro. Até então, a suposição sempre foi de que recomposições pelo lado da oferta ocorreriam com facilidade, muito por causa da entrada da China como ofertante de bens e de mão de obra no mundo. Há duas mudanças estruturais que podem explicar o porquê de este cenário não se manter no futuro. (i) A transição demográfica na China foi iniciada e o país asiático não conseguirá mais inundar o mundo com bens e trabalho baratos, impedindo o rápido ajuste da oferta; (ii) A reconfiguração das cadeias de produção globais, principalmente após a pandemia e a guerra entre Rússia e Ucrânia. A tendência atual é que haja forte incentivo para criação de um mundo muito mais dividido em termos de comércio global, com diferentes polos de produção. Isso fará com que as vantagens competitivas de produção não sejam amplamente aproveitadas, levando ao encarecimento e a uma maior demora no envio de produtos, principalmente de bens industriais.

Além disso, o conflito entre Rússia e Ucrânia e a forte resposta dos países do Ocidente fará com que o processo decisório dos diversos países com relação aos estoques de produtos básicos seja diferente. A decisão tende a ser de manutenção de um maior estoque de petróleo, minérios e bens alimentícios, que serão considerados estratégicos, elevando substancialmente, em um primeiro momento, a demanda por esses bens.

Nesse ambiente diferente, onde as variações de oferta se tornam tão importantes quanto as variações de demanda, o modelo de metas de inflação consegue sobreviver? Dito de outra forma, como a política monetária deve reagir diante de uma variância muito maior da inflação? O modelo tradicional nos diz que a preocupação principal deve residir nos efeitos secundários das mudanças de oferta, com reação a qualquer possibilidade de desancoragem das expectativas futuras.

A pergunta que fica é: conseguirão as expectativas de inflação mais longas ficar ancoradas em um ambiente com maior volatilidade inflacionária? No momento não parece haver muitas dúvidas sobre qual a resposta ótima, principalmente nos países desenvolvidos. Dado que a quantidade de estímulos monetários é gigantesca, exige-se uma postura dura dos BCs, com rapidez na mudança das taxas de juros e na retirada do excesso de liquidez dos mercados.

Mas como deveremos proceder se esse fenômeno de choque de oferta for mais duradouro e quando as políticas monetárias estiverem mais próximas à neutralidade? Na década de 80, quando também tivemos um choque de oferta bem mais prolongado, a política monetária foi capaz de trazer a inflação de volta à normalidade, combatendo efeitos secundários elevados e cobrando seu custo em termos de atividade econômica.

É nesse ambiente que se reúnem hoje as autoridades monetárias de EUA e Brasil.

No caso do Fomc, a opção declarada, dado também o quanto estimulativa ainda se encontra a política monetária, é de acelerar o aumento da taxa de juros, indo a um ritmo de 75 pontos-base. A escolha, nesse caso, é a de maximizar as altas no curto prazo, recuperar credibilidade e reduzir o custo em termos de atividade econômica. Em um ambiente de maiores choques de oferta, isso pode demorar a ocorrer, levando à necessidade de elevação para patamar além do que se supõe atualmente.

E o Brasil? Nossa taxa básica já se encontra em um patamar considerado restritivo historicamente. Por outro lado, já não há a crença de que será possível alcançar a meta em 2022 e 2023, exigindo atuação a fim de não perder as expectativas. Nosso Banco Central terá que decidir o quanto ele consegue suavizar o ciclo de inflação no atual ambiente, torcendo para que a atuação do Fed nos auxilie jogando a inflação global para baixo. Situação complicada para nossa autoridade monetária.