Banco central dos EUA é o único capaz de afetar as condições financeiras globais e impactar a demanda por bens e o crescimento

O presidente do banco central americano (Fed), Jerome Powell, foi o responsável por uma nova rodada de aperto das condições financeiras após participação em um painel sobre a economia global, durante as reuniões no FMI. Perguntado sobre a reação do Fed à queda da bolsa de valores, Powell explicou que o comitê utiliza a taxa de juros como seu principal instrumento para impactar as condições financeiras da economia, que são compostas pelo mercado acionário, o mercado de crédito, o dólar e o juro real. Essas quatro variáveis são afetadas, impactando a atividade e a inflação. Após reafirmar que, para controlar o avanço da maior taxa de inflação em 40 anos nos EUA, essas variáveis deveriam sofrer, o mercado intensificou a piora na expectativa de que a comunicação da reunião de hoje de política monetária se tornasse mais “hawk”.

O principal índice de condições financeiras (FCI, em inglês) tem a seguinte composição: 60% em bolsa, 20% em crédito, 10% em dólar e 10% em juro longo; o juro curto praticamente não tem peso relevante. Para cada 100 pontos-base de aperto nesse índice, significa que nos próximos 9 a 12 meses o PIB vai se reduzir em 1%. No último ciclo de aperto do Fed, em 2017-2018, esse índice subiu cerca de 200 pontos-base e foi responsável por esfriar a economia, que se encontrava com uma taxa de desemprego abaixo da estrutural. O quadro atual é de um mercado de trabalho ainda mais apertado e de uma inflação comparável somente à década de 70. Digamos que o Fed tenha que apertar 50% a mais do que nesse último ciclo, em um total de 300 pontos-base. Até o momento, em 2020, o FCI apertou 200 pontos-base, necessitando, com base na métrica anterior, de mais 100 pontos-base, o que poderia ser alcançado com um movimento marginal de queda de 8% da bolsa, abertura de 50 pontos-base do juro longo, alta de 5% do dólar e abertura de 50 pontos-base do crédito.

Powell vai continuar expressando a necessidade de subir o juro até o momento em que este atingir uma região neutra para a política monetária, ao redor de 2,50%. O mercado tem na curva quatro altas de 50 pontos-base nas próximas reuniões e alguma probabilidade de acelerar esse movimento para um ritmo de 75 pontos-base. Atuando a este favor conta o desequilíbrio entra oferta e demanda, que vai continuar impactando a inflação, e o Fed vai continuar atuando para reverter essa trajetória.

O Copom se reúne no mesmo dia para subir mais uma vez a taxa de juros no Brasil. Com certeza farão uma pausa para acompanhar o anúncio da decisão da taxa de juros nos EUA e acompanhar atentamente a conferência de imprensa em que Powell indicará se está confortável com o aperto nas condições financeiras até o momento. Enquanto o Fed está no início do ciclo de alta de juros, o banco central brasileiro está no ajuste fino para encerrar o seu. A alta de juros hoje, de 100 pontos-base, para 12,75%, é amplamente esperada e os analistas vão estar atentos à sinalização para os próximos passos.

Na reunião de março, o comitê sinalizou que a taxa de juros em 12,75% seria suficiente para a convergência da inflação para um patamar em torno da meta ao longo do horizonte relevante, e que é preciso serenidade para avaliar a extensão dos choques e observar os efeitos cumulativos das altas de juros. Porém, desde a última reunião, o IPCA para 2022 foi revisado de 6,45% para 7,89%, o que contaminou a expectativa para 2023, que subiu pela mesma pesquisa Focus de 3,70% para 4,10%. A percepção de melhora da atividade econômica, particularmente no mercado de trabalho, ajudou nas revisões altistas para o PIB de 2022 entre 1,00% e 1,50%. Para combater o aumento da projeção da inflação, o mercado passou a trabalhar com mais uma alta de juros para a reunião de junho de 50 pontos-base, com o ciclo de alta se encerrando em 13,25%. O Banco Central do Brasil vai seguir passageiro da alta da inflação global, tentando combater os efeitos secundários.

Além da inflação de serviços, que começou a ficar pressionada devido à reabertura da economia, as commodities seguem em trajetória de alta, sem dar sinais de reversão. A guerra entre Rússia e Ucrânia segue distante de um acordo de paz e a reversão das fortes sanções impostas à economia russa parece cada vez mais longe.

O Fed é o único banco central capaz de afetar as condições financeiras globais e impactar a demanda por bens e o crescimento. Por isso, os membros do Copom vão acompanhar atentamente o resultado da decisão de hoje para traçar o cenário para os próximos trimestres. Se por um lado o aperto das condições financeiras é bem-vindo para esfriar a economia americana e atenuar a alta das commodities, o atraso até aqui do Fed em subir o juro vai resultar em um aperto mais forte à frente e contratar uma recessão global no ano que vem.