A China vai incentivar o crescimento de seu mercado interno e vai passar a não exportar mais deflação para o mundo

A entrada da China na World Trading Organization (WTO) em 1997 foi o marco no processo de globalização, com a admissão de milhões de novos trabalhadores na força de trabalho global. A China de Deng Xiaoping se abriu para o mundo, proporcionando ganhos de produtividade com a introdução de uma mão de obra barata e especializada.

Junto com a evolução da tecnologia, proporcionou um choque deflacionário no mundo. O mundo se aproveitou desse bônus demográfico com a China exportando deflação e conseguiu ter taxa acelerada de crescimento com um juro nominal e real em constante queda.

Os primeiros sinais do fim da globalização vieram durante o governo Trump, que diante da ameaça da China em se tornar a maior potência global iniciou uma guerra comercial, impondo sanções e custos para o país asiático. A disputa pelo protagonismo e dominância da tecnologia de ponta inaugurou um movimento nacionalista nos EUA, iniciado no pós-crise com o fenômeno do “tea party”. O termo “America first” virou o bordão do governo Trump. Durante anos, as empresas americanas se aproveitaram da mão de obra barata chinesa produzindo a um custo baixo e mantendo a propriedade intelectual e toda a expertise nos EUA. Porém, esse processo de desindustrialização dos EUA estava chegando ao fim.

A pandemia de coronavírus veio para acelerar o processo de desglobalização. O forte choque de oferta produzido pela ruptura da cadeia produtiva com a introdução dos “lockdowns” mostrou ao mundo o quão a cadeia é interligada e os países são dependentes de bens e matérias primas produzidos, principalmente, no oriente.

Os países do ocidente começaram a se questionar se, estrategicamente, continuava valendo a pena manter todo seu processo de produção em outros países. Um caso emblemático foi o da falta de seringas, no início do processo de vacinação, que acentuou o sentimento nacionalista de produzir itens estratégicos e não depender da mão de obra do oriente.

A guerra entre Rússia e Ucrânia está mudando radicalmente o mapa geopolítico e econômico entre o ocidente e o oriente. A resposta, com fortes sanções econômicas impostas à Rússia, isolou-a do sistema financeiro global: os bancos russos foram cortados do sistema de pagamentos global (swift); o banco central da Rússia teve seus ativos e reservas bloqueados, dificultando sua atuação em estabilizar a sua moeda, que depreciou 40%; grandes empresas anunciaram sua saída definitiva do mercado russo. A tendência é que as sanções impostas pelo ocidente cobrem um preço – mais especificamente, deve afastar os países do oriente de deixar suas reservas no ocidente, acentuando o sentimento antiglobalização.

Por exemplo, a Europa não vai mais querer ficar dependente em toda sua matriz energética com a Rússia. Todo benefício que a globalização trouxe até aqui será revertido nos próximos anos – o que, junto com o fim do bônus demográfico vindo da China, vai aumentar o custo da mão de obra globalmente, levando a curva de Phillips global a ficar mais apertada.

Isso gerará mudanças nos incentivos das autoridades monetárias. Os bancos centrais vão deixar de ajudar a financiar as crescentes dívidas dos governos para não perder credibilidade em relação à meta de inflação. Pensando no ocorrido até o momento, os fortes estímulos monetários e fiscais injetados na economia para conter os efeitos negativos da pandemia se somaram ao choque de oferta na cadeia produtiva, elevando os preços de bens duráveis. Com a reabertura da economia global, os preços de serviços começaram a subir adicionando pressão à inflação global.

A crise deflagrada com a guerra piorou o cenário para a inflação no curto prazo, com a retirada da Rússia como exportador de produtos importantes, como fertilizante e petróleo, e afetou a safra de trigo na Ucrânia. O racha entre o ocidente e oriente vai deixar cicatrizes nos próximos anos. Ambos não vão querer mais depender um do outro, por medo de sanções futuras.

O ocidente vai passar a pagar mais caro pela mão de obra local, para reindustrializar sua cadeia produtiva e o oriente vai criar um novo sistema de pagamentos paralelo como alternativa ao dólar. A China vai incentivar o crescimento de seu mercado interno e vai passar a não exportar mais deflação para o mundo. Estamos caminhando a passos largos para um mundo bem diferente da última década, onde os efeitos positivos da demografia e da globalização estão sendo rapidamente revertidos para um novo equilíbrio de inflação e juros mais altos.