Em 2021, adicionou-se à instabilidade política e econômica doméstica o choque nos mercados globais

O Copom se reúne hoje em sua última reunião do ano. Esse foi sem dúvida um dos anos mais difíceis para participar dos comitês de política monetária. Após a crise pandêmica de 2020, não se imaginava que teríamos um ano tão desafiador logo em sequência. Quando se conduz a política monetária em um país emergente, em especial o Brasil, sabe-se que será necessário enfrentar algumas crises esporadicamente. Em 2021, adicionou-se aos choques idiossincráticos domésticos (instabilidades política e econômica) o choque nos mercados globais.

O forte estímulo fiscal implementado principalmente pelos EUA provocou um choque de demanda em bens, ao mesmo tempo em que novas ondas de contaminação da covid-19 e suas variantes proporcionaram choques negativos de oferta.

A limitação de mobilidade restringiu o consumo de serviços por parte das famílias, o que deslocou a demanda por renovação do ambiente familiar para proporcionar mais conforto ao home office. A demanda para material de construção e eletrodomésticos acelerou ao mesmo tempo em que a oferta de bens foi prejudicada, pois os países produtores desses bens (em sua maioria na Ásia) adotaram uma política de combate à covid de tolerância zero, com a adoção de constantes lockdowns. Fábricas que produzem chips para automóveis e outros bens não deram conta do aumento da demanda.

Além da falta de insumos, a política de incentivos à energia verde provocou uma forte alta do preço de energia. O petróleo chegou a subir 77% esse ano e o preço do gás natural em alguns países se multiplicou por sete.

Bancos centrais de países desenvolvidos, cujo problema central há décadas era a ausência de inflação, classificaram em um primeiro momento a pressão de preços como temporária. Recentemente, alguns países como Nova Zelândia, Canadá e os próprios EUA começaram a mudar o discurso para ganhar mais flexibilidade a fim de subir o juro. Nos EUA, o patamar de 6,80% ao ano de inflação influenciou o debate político. Pesquisas de popularidade americanas começaram a mostrar impacto negativo sobre o novo presidente americano, Joe Biden, que passou a adotar o combate à alta da inflação como prioridade número um. Em comunicado recente no Congresso americano, o presidente do banco central americano, Jerome Powell, retirou a transitoriedade da inflação de seu discurso e adotou um tom mais duro para acelerar a retirada de estímulos e preparar o terreno para a alta de juros já no primeiro semestre de 2022.

No Brasil, as crises políticas deterioraram as projeções para o fiscal e contaminaram as expectativas de inflação. A implementação do teto de gastos em 2016 ajudou a ancorar a projeção de gastos do governo, mas a discussão do orçamento gera debate acalorado entre os defensores do Tesouro Nacional e os demandantes de maiores despesas públicas. O debate do orçamento de 2021 ocorreu apenas ao final do primeiro trimestre deste ano. Para 2022, a discussão se desencadeou para o pior lado possível: culminou na mudança da regra do teto de gastos, alterando o indexador e retirando algumas despesas de precatório do teto de gastos. Mudanças que, se fossem bem explicadas e sinalizadas, seriam mais facilmente aceitas – mas acabaram virando tema para aumentar os gastos em ano de eleição, seguindo o ciclo político tradicional.

A consequência desse ano de choques na inflação e caos político e fiscal foi um forte ciclo de alta de juros ao longo do ano. Iniciando com ritmo de 75 pontos-base de alta por reunião, que acelerou para 100 pontos-base e agora chega a 150 pontos-base por reunião. O Banco Central trouxe no último relatório de inflação a decomposição dos choques e seus impactos nos modelos de inflação. Na comparação da projeção de dezembro de 2020, atualizando para setembro, o impacto da alta dos combustíveis foi de 230 pontos-base; a bandeira de energia elétrica, de 100 pontos-base; a alta das commodities, de 60 pontos-base; expectativas de inflação, de 30 pontos-base; e outros itens, com 50 pontos-base. No relatório a ser divulgado essa semana, provavelmente o impacto desses choques serão atualizados.

Essa última reunião de 2021 será a mais tranquila do ano. Pela primeira vez o balanço de riscos melhorou entre as reuniões. Isso porque as expectativas de inflação extraídas dos títulos atrelados à inflação (que antecedem os movimentos do Focus) iniciaram uma tendência de queda; indicadores de atividade sinalizam arrefecimento ainda sem o impacto das altas de juros acumuladas; e a coleta de inflação está indicando uma desaceleração de itens importantes. Além disso, já se observam empresas reportando que a cadeia produtiva dá sinais de normalização ao redor do mundo e o Congresso avançou na PEC dos Precatórios, dando previsibilidade nos gastos fiscais para 2022.

O último desafio para a autoridade monetária reside em manter-se com tom duro (para diminuir os riscos de uma desancoragem das expectativas de longo prazo) e sinalizar a proximidade do fim do ciclo. É neste momento que se destaca a arte de conduzir a política monetária.