Além disso, a forte depreciação cambial e o aumento dos preços de commodities foram importantes para a política fiscal.

A reunião do Copom de julho de 2015 marca a derradeira elevação da taxa básica de juros, quando fora elevada de 13,75% para 14,25%. Desde então, passamos por um longo ciclo de queda de juros em um período em que a política fiscal foi um poderoso aliado, com a credibilidade conferida pela PEC do teto de gastos e a reforma da Previdência. Desde o princípio da pandemia, diante de uma política fiscal extremamente expansionista – que levou a forte elevação da dívida pública – e da taxa SELIC sendo reduzida ao nível de 2,0%, a taxa de câmbio se mostrou muito mais volátil e com performance muito pior que outros emergentes. Assim, as perguntas pertinentes ao momento são: Uma elevação da taxa de juros é imprescindível? Qual foi o ganho do país em ter levado a taxa de juros para 2,0%? Caso a Selic estivesse em linha com os pares, qual seria a resposta da inflação?

O errático comportamento do real, com depreciação de cerca de 15% frente a uma cesta de moeda de países comparáveis ao Brasil desde o princípio da pandemia, começou a se mostrar preocupante quando se observou uma elevação nos preços das commodities. Em períodos passados, a elevação desses preços costumava ser acompanhada de apreciação nos países produtores, devido ao ganho nos termos de troca e consequente melhora na conta corrente por conta do aumento dos preços dos produtos exportados. No atual contexto, no entanto, com a vitória dos democratas nas eleições americanas e o sucesso no processo de vacinação de alguns países desenvolvidos, o mercado começou a precificar um ambiente de retorno da inflação no mundo, com aumento da inflação implícita nos títulos de dívida dos países desenvolvidos, pressionando preços de commodities sem contrapartida de apreciação da moeda dos emergentes.

Tivemos algum benefício em testar a taxa SELIC em 2,0% ou foi um erro da autoridade monetária? A resposta é: sim, tivemos benefício. Primeiramente, quando o Banco Central (BC) optou por levar a SELIC a 2,0%, o risco de inflação era na direção oposta, com o mercado projetando IPCA de cerca de 1,5% para 2020, muito abaixo da banda de oscilação da meta de inflação. Além disso, a forte depreciação cambial e o aumento dos preços de commodities foram importantes para a política fiscal. Em nossas contas, o deflator mais elevado nos anos de 2020 e 2021 vai ser responsável por reduzir a DBGG (dívida bruta do governo geral) em cerca de 4%. Caso a credibilidade futura da política econômica seja recuperada e o custo de financiamento da dívida não seja afetado pela alta dos juros, a estratégia de redução da taxa básica vai ter sido um importante aliado em um momento em que há dúvidas sobre a trajetória futura da dívida pública.

Todo esse ambiente, adicionado a uma incerteza na condução da política fiscal, faz com que a perspectiva para a inflação doméstica siga em elevação, com projeções para o ano corrente acima da banda de oscilação da meta de 3,75%, com projeções entre 5,0% e 5,5%. Em um cálculo simples, supondo que a moeda doméstica aprecie os 15% de desconto observado sobre os pares, há um ganho potencial de 90 bps de IPCA no ano, que não será suficiente para deixar a inflação na meta, mas impedirá que ela fique acima da banda e traga consequências para a credibilidade da política monetária, como riscos de desancoragem do IPCA para o ano de 2022 em diante. A situação é mais dramática se compararmos com a África do Sul, país com reputação fiscal tão deteriorada quanto o Brasil. A diferença de comportamento da moeda foi próxima a 25%, com a principal diferenciação macroeconômica entre os países sendo o patamar da taxa básica de juros. Em nossa decomposição do IPCA nos últimos 12 meses, comparando com o que observávamos no pré-pandemia, notamos que a moeda passou a ser mais relevante para explicar a inflação que o hiato. Até o princípio do ano passado, os efeitos de hiato e câmbio se equivaliam e a inflação apresentava trajetória muito saudável. Nos 12 meses acumulados até fevereiro de 2021, o câmbio foi responsável por 210 pontos-base do IPCA, enquanto o hiato foi responsável por diminuir a inflação em 100 pontos-base. Logo, torna-se urgente controlar a depreciação cambial para que a inflação retome a trajetória de metas e não coloque em risco a condução da política econômica doméstica. Uma alta da SELIC para 2,75%, acima da projeção de mercado, leva nosso juro mais rapidamente para próximo ao de nossos pares, impedindo que o real seja usado como forma de financiamento para posições em moedas, o que deve permitir uma melhora no comportamento da taxa de câmbio, aliviando pressões inflacionárias emergentes que prejudicam a população.