Cada vez mais se torna urgente o Banco Central preparar as expectativas para retirar o atual nível extraordinariamente elevado de
estímulo monetário
O Copom se reúne hoje para tomar uma decisão importante de sinalização da política monetária no Brasil. O termo “forward guidance” deve ser retirado do comunicado, preparando assim o terreno para uma normalização da taxa de juros nos próximos meses.
Na reunião do comitê de política monetária em 16 de setembro de 2020, foi introduzida uma prescrição futura (forward guidance) como um instrumento de política monetária adicional no Brasil. Esse instrumento é muito comum em outros países, em especial nos bancos centrais de países desenvolvidos. Ficou muito conhecido na crise financeira de 2008, em que, após o banco central americano reduzir o juro para zero, precisava-se de um instrumento adicional de política monetária. Desde então, o comprometimento de fixar a taxa de juros ou garantir uma quantidade de estímulos monetários por um certo período passou a ser usado com mais frequência por outros bancos centrais no mundo.
Preocupado com a falta de espaço para continuar reduzindo o juro, o Banco Central do Brasil trouxe essa novidade. Isso porque, com a redução do diferencial de juros em relação ao resto do mundo, a instituição se preocupa com uma possível saída maciça de recursos do Brasil.
As expectativas de inflação apuradas pela pesquisa Focus para os anos de 2020, 2021 e 2022 eram de 1,9%, 3,0% e 3,5%, respectivamente. Ou seja, para os anos de 2020 e 2021, bem abaixo da meta de 4,00% e 3,75%. A alternativa do comitê para continuar a conceder estímulo monetário extraordinariamente elevado foi de se comprometer e manter o atual patamar da taxa de juros até que as expectativas de inflação e projeções dos modelos do Banco Central estivessem suficientemente próximas à meta de inflação para o horizonte relevante da política monetária, condicional à manutenção do atual regime fiscal.
Desde setembro, as projeções de inflação se alteraram significativamente. Segundo a pesquisa Focus, as expectativas para os anos de 2021 e 2022 agora são 3,43% e 3,50%. Já as expectativas extraídas dos títulos atrelados à inflação apontam uma inflação ligeiramente acima da meta para os anos nos dois períodos.
Podemos dizer que o objetivo do Banco Central foi atingido. Quando adotaram a prescrição futura, estavam incomodados em entregar uma inflação bem abaixo da meta e com risco para o ano de 2021 também. Com o comprometimento de manter o juro baixo e os choques de alimentação no final do ano, o IPCA fechou 2020 em 4,52%, acima da meta de 4,0%.
Os fatores que afetaram a inflação no segundo semestre de 2020 seguem em 2021. Com o início da vacinação nos EUA, Europa e em alguns países árabes, o cenário de reflação global se acentuou. O preço das commodities segue subindo com a perspectiva de o crescimento global acelerar ao longo do ano. Porém, devido ao baixo diferencial de juros e o risco fiscal acentuado no Brasil pelo grande endividamento em 2020 para combater a pandemia, o câmbio não está mais respondendo à melhora dos termos de troca.
A correlação entre o real e os preços das commodities sempre foi presente. Desta vez, observamos uma alta significativa dos preços, enquanto o câmbio permanece acima de R$ 5. O presidente do Banco Central demonstrou preocupação com essa quebra de correlação recentemente. As ameaças de greve dos caminhoneiros também servem de alerta para o perigo dessa combinação de commodities em alta sem contrapartida de apreciação do real.
Em um artigo de setembro, neste mesmo espaço, intitulado “A vacina, o crescimento e o juro”, tratei de um cenário alternativo ao que estava sendo debatido na imprensa e nos comunicados dos bancos centrais. Com a vacinação, a atividade global sofreria um choque positivo de demanda ajudando na retomada do setor de serviços. Esse efeito seria superior à contração contratada com o fim dos estímulos fiscais. Estimamos uma rápida queda de 2% da taxa de desemprego e um aumento da Nuci (Nível de Utilização da Capacidade Instalada) de 2%, o que, somado ao carrego estatístico positivo de 3% para o crescimento em 2021, resultaria em um PIB da economia brasileira de até 5,0%.
Esse cenário positivo do início da vacinação no mundo e no Brasil começou a ser incorporado nos discursos oficiais dos diretores do Banco Central do Brasil, com o diretor de política monetária, Bruno Serra Fernandes, citando em sua última comunicação oficial que podemos estar em um momento do ponto de vista qualitativo parecido com o período entre 2004 a 2007, no qual o mundo viveu um forte crescimento liderado por um ciclo de commodities e de emergentes. “Essa discussão de reflação global é bem pertinente”, disse ele.
Ao longo de 2021, os modelos do Banco Central darão maior peso para a projeção de inflação de 2022, o que torna mais urgente o BC preparar as expectativas para retirar o atual nível extraordinariamente elevado de estímulo monetário – que já não se faz mais necessário.