Governos e bancos centrais não vão correr o risco de abortar essa recuperação, cenário que deve ajudar a alimentar uma grande bolha de ativos financeiros nos próximos anos

 Estamos terminando 2020 com a mesma esperança que tínhamos no final de 2019.

O próximo ano se inicia com uma perspectiva melhor para as economias emergentes.

Recapitulando, ao final de 2019, com o fim do forte atrito comercial entre os EUA e a China – que gerou grande volatilidade e incerteza a respeito do crescimento global -, as expectativas para o ano atual eram que as economias emergentes iniciassem um novo ciclo de crescimento liderado pela Ásia.

No entanto, o surgimento da covid-19 em janeiro na China alterou essa perspectiva positiva. Na Novus Capital, sofremos o efeito do coronavírus já em sua aurora, pois tínhamos um panorama muito positivo para a Ásia e os países emergentes. Com a forte queda das bolsas asiáticas em janeiro, tivemos que alterar nosso cenário base rapidamente.

Desde a grande crise financeira em 2008, os EUA têm atraído grande parte do capital mundial e liderado o crescimento global. Após a eleição de Donald Trump, esse movimento se intensificou com a política de “America First”. Incentivos tributários e políticas voltadas a beneficiar as empresas americanas criaram um ambiente muito favorável para se investir nos EUA, o que ajudou na forte valorização da moeda.

 O ano que se inicia tem os ingredientes para reverter esse cenário, trazendo o fluxo de recursos para os emergentes. Com 76% dos países com taxa de juro real em território negativo, os investidores globais vão precisar buscar alternativas para investimento, dado que a utilização da regra de bolso de alocar 60% em títulos do governo e 40% em bolsa se tornou pouco rentável nesse ambiente de juro negativo. A realocação desse portfólio, que foi o grande vencedor nos últimos anos, vai beneficiar os países emergentes em busca de retornos mais atrativos.

O resultado das eleições americanas também trouxe um componente importante, por reduzir a volatilidade geopolítica nos próximos anos. O estilo do novo presidente americano, Joe Biden, é de união com os aliados, o que vai ajudar no crescimento mais sincronizado do mundo.

Outro ponto importante é a grande quantidade de estímulos fiscais e monetários que foram implementados em 2020. Os EUA injetaram cerca de 14,5% do PIB em pacotes fiscais e mais de US$ 3 trilhões em estímulos monetários.

Na Europa, os líderes do bloco aprovaram cerca de 6,5% do PIB em estímulos fiscais e o PEPP (programa de compra de emergência pandêmica) tem hoje montante de € 1,35 trilhão à aquisição de títulos. Na China, medidas fiscais totalizaram pouco menos de 5% do PIB.

Até os países emergentes vieram com fortes estímulos, como o Brasil que destinou mais de 7% do PIB a gastos adicionais –sem falar em diferimentos e isenções de impostos – para dar suporte à economia e derrubou o juro para 2,0% ao ano. A título de comparação, na grande crise financeira, o balanço patrimonial do banco central americano (Federal Reserve) demorou quatro anos para atingir US$ 3 trilhões. A resposta dos países para a crise atual foi gigantesca e seus efeitos vão impulsionar um grande ciclo econômico mundial.

O último grande ciclo de crescimento de emergentes e das commodities ocorreu entre 2002 e 2011. Esse movimento transcorreu durante um período de dólar fraco global.

A pandemia forçou um forte ajuste nos estoques e na capacidade instalada das empresas. A retomada que estamos observando nos últimos meses já está sendo suficiente para impactar os preços das commodities e a falta de produtos nas prateleiras começou a aquecer a produção industrial.

O anúncio da eficácia das vacinas ao redor de 95% foi o último ingrediente que faltava para garantirmos um novo início de um superciclo de crescimento para os emergentes. Com a imunização da população em 2021, o setor de serviços vai dar o impulso final a uma forte recuperação, adicionando à retomada cíclica da economia. Um crescimento global mais sincronizado vai alimentar a tendência de dólar fraco com a busca por retornos mais altos nos países emergentes.

O risco para esse cenário otimista é uma normalização mais rápida dos estímulos monetários e fiscais implementados. O Federal Reserve já deixou claro que não vai se incomodar com uma pressão da inflação acima da meta nos próximos anos, pois quer garantir que a média da inflação se aproxime da meta informal de 2,0%.

Os governos e bancos centrais não vão correr o risco de abortar essa recuperação, cenário que deve ajudar a alimentar uma grande bolha de ativos financeiros nos próximos anos.

O Brasil sofreu bastante nesse ciclo negativo para as commodities e emergentes dos últimos anos. Endividou-se muito para um país que ainda precisa encarar uma grande agenda de reformas estruturais. A mudança política no Brasil ocorreu – com a população e o Congresso avançando muito na percepção dos benefícios de uma agenda econômica positiva -, e essas últimas duas semanas mostraram que o mundo quer voltar a investir no Brasil. Basta reduzir a volatilidade nas disputas políticas, dar andamento à agenda de reformas e seguir preservando o teto de gastos.