É inegável que, com o juro na casa dos 2%, o Copom não cumprirá sua função principal de entregar a inflação na meta em 2020, ainda mais com as projeções condicionais para 2021 abaixo do objetivo.
Vivemos nos últimos cinco anos no Brasil um processo fundamental de normalização da política monetária.
Podemos creditar o longo período de recuo da taxa de juros a alguns fatores: 1) processo duradouro de ajuste das contas públicas, que se inicia com o teto de gastos e se consolida com a reforma da previdência; 2) reequilíbrio do instrumento parafiscal, cujo ápice ocorreu com a criação da TLP e permitiu uma uniformização da taxa de juros da economia; 3) repetidos choques negativos de crescimento que não trouxeram pressão inflacionária, e que vão desde o “Joesley Day”, passa pela greve dos caminhoneiros, pelos desastres ambientais em Minas Gerais e culminam com a pandemia do coronavírus; 4) ambiente global desinflacionário a despeito do fortalecimento do dólar no período.
E agora chegamos à taxa básica no patamar de 2%, muito próxima ao que chamamos de limite inferior efetivo (ELB). O que fazer em termos de política monetária?
É inegável que, com o juro na casa dos 2%, o Copom não cumprirá sua função principal de entregar a inflação na meta em 2020, ainda mais com as projeções condicionais para 2021 abaixo do objetivo. Isso ocorre num contexto em que o hiato do produto segue bastante desinflacionário, mas há alguns fatores que a autoridade monetária deveria levar em consideração em suas próximas decisões. As métricas de ELB se encontram, em média, 0,5 ponto percentual abaixo da Selic e é prudente deixar margem devido principalmente ao risco de: deterioração fiscal significativa, que pode não se restringir somente ao ano de 2020, com perenização de despesas criadas para a pandemia como o corona voucher e a desoneração da folha salarial; atividade econômica com viés altista diante da recuperação inicial mais forte que a esperada com a diminuição das medidas de isolamento, melhora do comércio global e sustentação da renda com os estímulos fiscais; IPCA de 2022 começando a entrar no cenário relevante para a política monetária; e métricas de inflação implícita em alta globalmente.
A discussão de movimentos residuais a partir de agora não deveria ser o mais relevante. Caso o entendimento fosse que o ELB é mais baixo do que todos imaginam, a política monetária seguiria com espaço de atuação e seria dever do Copom reagir. Em nosso cenário, em que o espaço adicional é exíguo, a pergunta a ser feita é se a autoridade deve ter sua atuação pautada a fim de promover o retorno da inflação à meta sem se basear no instrumento tradicional de política monetária.
Nossas estimativas apontam que a resposta da atividade à taxa de juros ocorre de forma mais eficiente para os vértices entre um e dois anos, ainda não sendo longa o suficiente para o BC tentar uma melhor atuação via achatamento da curva de juros, apesar dos possíveis ganhos advindos para captação dos recursos do Tesouro no momento de elevado déficit público (afinal, mais importante neste caso é ter uma política fiscal crível de longo prazo).
A proximidade do ELB é apontada como uma das causas da elevada volatilidade da moeda. A despeito de não termos estimativas claras sobre o efeito das depreciações cambiais sobre o crescimento, a elevada volatilidade da moeda tem efeito claramente negativo em termos de atividade futura. Por outro lado, controles cambiais estão inseridos em regimes de política econômica que ficaram no nosso passado e não deveriam ser utilizados. Dito isso, o encerramento do ciclo de política monetária poderia ter efeitos mais positivos caso observássemos uma redução da volatilidade observada na moeda e evitaríamos o uso de instrumentos menos ortodoxos.
Podemos imaginar o BC fazendo “foward guidance” (FG)? Uma indicação de que a taxa Selic ficaria baixa por um período longo, até o momento em que a autoridade monetária tivesse certeza que a inflação teria retornado para a trajetória de meta, com retirada dos prêmios de alta de juros existentes na curva, rebaixando os vértices até dois anos e otimizando a recuperação da atividade seria prestimoso.
Nesse caso, a dúvida reside em nossa capacidade de fazer o mecanismo de FG. Um país com histórico de inflação alta, elevada volatilidade cambial e riscos fiscais substanciais poderá incorrer em perda de credibilidade ao tentar levar adiante essa estratégia.
Ao final, a melhor estratégia de política monetária segue sendo aguardar os desenvolvimentos fiscais e os efeitos defasados da política monetária, respondendo à medida que novas informações sejam disponibilizadas. O pouco de ganho de credibilidade fiscal que tivemos de 2016 para cá foi o suficiente para que pudéssemos usar os instrumentos contracíclicos quando houve necessidade e para que alcançássemos patamares de juros inimagináveis. No momento, cautela e prudência não fazem mal ao Copom.