A dúvida perdurou até o momento em que houve o colapso na demanda global por bens e serviços, retirando qualquer questionamento sobre o efeito do choque.
A enxurrada de estímulos econômicos injetados na economia global como resposta ao choque da covid-19 não encontra muitos precedentes na história em termos de ordem de grandeza.
Ao contrário do visto em 2009, quando a economia americana resolveu testar os limites da política monetária praticamente sozinha, desta vez em quase todo o mundo as taxas de juros foram levadas a níveis próximos dos seus limites inferiores. As injeções fiscais também estão próximas às de períodos de guerra, o que levará a relação dívida/PIB a patamares nunca antes vistos, especialmente nos países desenvolvidos. O fenômeno será, no entanto, inevitável também para os emergentes. Nesse contexto, a pergunta mais interessante que podemos fazer é: qual será o comportamento da inflação nos próximos períodos diante de tantos estímulos?
No princípio da pandemia, quando não se supunha que o mundo inteiro seria colocado em isolamento social, a discussão ainda versava sobre se o efeito final seria inflacionário ou deflacionário. A dúvida perdurou até o momento em que houve o colapso na demanda global por bens e serviços, retirando qualquer questionamento sobre o efeito do choque.
À medida que as economias vão restabelecendo algum padrão de normalidade, a dúvida que começa a surgir é se o efeito da covid-19 seguirá sendo deflacionário ou se as economias desenvolvidas finalmente conseguirão tirar a inflação da letargia apresentada desde o princípio dos anos 2000. Além disso, o que devemos observar nas economias emergentes? Toda sinalização recente dos bancos centrais ao redor do mundo vai na direção de que os estímulos monetários já anunciados seguirão válidos por um bom período de tempo e, para além disso, que pode haver expansão dos instrumentos utilizados.
Pradham e Goodhart (2020) argumentam que, ao contrário de 2008, em que o desenho do QE levava a um excesso de acumulação de reservas no sistema bancário, na crise da covid-19, os recursos estão sendo injetados no fluxo de caixa de empresas, o que irá afetar diretamente os agregados monetários, gerando elevação da inflação. Eu prefiro olhar para a política fiscal para pensar a dinâmica da inflação futura. A demanda por maiores despesas públicas é crescente nas economias desenvolvidas e isso se manifesta em novas frentes, como estímulos para a economia verde. Além disso, aproveitando- se do ambiente longínquo de juros mais baixos, surge também a demanda por estímulos fiscais mais permanentes, como visto em Krugman (2020).
Historicamente, episódios de inflação no Brasil estão ligados a períodos em que a política fiscal se tornou mais frouxa. Da mesma forma, o recente período de inflação baixa tem sua raiz no teto de gastos aprovado em 2016 e que deu previsibilidade às contas públicas.
Caso nossa classe política opte por seguir validando o teto de gastos, o ambiente de inflação baixa deverá se tornar perene, com o amplo hiato do produto existente na economia brasileira permitindo que convivamos com juros baixos por um bom período. Por outro lado, se a escolha for por alterar o teto de gastos, a história nos conta que a inflação cobrará o preço e juro baixo terá sido o sonho de uma noite de verão.