Esse ritmo de crescimento da dívida pública era claramente insustentável e foi o grande responsável pelo rebaixamento de nossa classificação de risco nas principais agências de rating
INTRODUÇÃO
O cenário fiscal brasileiro foi seriamente comprometido nessa década, em particular no período compreendido entre os anos de 2014 e 2016, em que os resultados primários sofreram rápida e forte deterioração. Nesse contexto, nossa dívida bruta como percentual do PIB avançou também rapidamente de um patamar ligeiramente acima de 50% até 2013 para quase 80% ao final de 2019. Esse ritmo de crescimento da dívida pública era claramente insustentável e foi o grande responsável pelo rebaixamento de nossa classificação de risco nas principais agências de rating.
No entanto, em 2016, a aprovação da PEC do Teto de Gastos forneceu uma importante âncora fiscal e possibilitou enxergar uma luz no fim do túnel para a dinâmica de despesas públicas futuras. Um segundo passo tão importante quanto a PEC do Teto de Gastos foi a aprovação da Reforma da Previdência, que permitiu com que se vislumbre a possibilidade de cumprimento da regra de teto de gastos nos anos vindouros. Graças a essas duas medidas, existe hoje um grau razoável de confiança quanto à estabilização da trajetória da dívida pública e sua eventual redução rumo a patamares mais similares ao apresentado por outros países emergentes.
O Brasil se encontra posicionado para desfrutar um período de importante aceleração sustentada do crescimento econômico nos próximos anos, aliado, pela primeira vez em nossa história, a um ambiente de baixas taxas de juros, inflação baixa e controlada, assim como contas externas sólidas. O elevado patamar da dívida pública ainda é um empecilho e maior entrave a eventuais revisões de nossa classificação de risco.
O interesse desse artigo é discutir qual o patamar de Dívida/PIB seria condizente com uma melhora na nota de crédito, e por ventura, o retorno ao grau de investimento. Realizamos um exercício para simular o que esperar acerca da mesma até 2030. O nível máximo de dívida com o qual ainda retivemos o grau de investimento por parte das agências de risco no passado foi de 63,0%, sendo esse um ponto focal a ser atingido.
METODOLOGIA E HIPÓTESES
A dinâmica temporal da dívida bruta pode ser descrita pela seguinte expressão:
ONDE:
Dada a expressão acima, mediante cenários para as variáveis descritas, simularemos a trajetória esperada para a dívida bruta brasileira. Consideramos nesse exercício 3 cenários distintos:
Adicionalmente, consideramos que o teto de gastos (e, consequentemente, os gastos do governo) será mantido inalterado em seus primeiros 10 anos de vigência (até 2026) e a partir de então será flexibilizado de forma a se perseguir determinado nível de superávit primário. Os valores assumidos para as principais variáveis nesses cenários estão resumidos na seguinte tabela:
VARIÁVEL | CENÁRIO CONSERVADOR | CENÁRIO OTIMISTA | CENÁRIO PESSIMISTA |
---|---|---|---|
Juro Real Neutro | 3,0% | 2,0% | 4,0% |
PIB Longo Prazo | 2,0% | 3,0% | 1,0% |
Meta Sup. Primário | 1,5% | 2,5% | 0,5% |
As premissas para a elasticidade-renda da arrecadação e para a diferença média entre o deflator e IPCA são iguais em todos os cenários, mas, ao longo do tempo, consideramos um cenário de médio prazo (até 2022) e um de longo prazo (restante do período). Essa diferenciação faz-se necessária para não ignorar algumas características importantes da economia que afetam essas variáveis. Por exemplo, nos períodos iniciais ainda teremos uma perspectiva de taxa de desemprego e informalidade relativamente altas, mas um mercado de trabalho mais aquecido e menores taxas de informalidade ao final. Dessa forma, assumimos uma elasticidade-renda de 1,0 até 2022 e uma variação do deflator em média igual ao IPCA, enquanto entre 2022-2030 assumimos uma elasticidade-renda de 1,1 e uma variação do deflator em média 1% maior do que o IPCA.
Por fim, também consideramos a continuidade das devoluções do BNDES ao Tesouro Nacional (R$ 50 bilhões por ano até 2022).
De imediato, temos um resultado inicial positivo: em nossas projeções, a dívida bruta atinge seu ponto máximo em 2019…
RESULTADOS
As trajetórias de dívida bruta e resultado primário que obtemos em nosso exercício são exibidas nos gráficos 1 e 2. De imediato, temos um resultado inicial positivo: em nossas projeções, a dívida bruta atinge seu ponto máximo em 2019 (79,6%) e a partir do próximo ano entra em trajetória declinante. A partir daí, diante das diferentes premissas adotadas, as trajetórias de dívida se comportam de maneira bem díspar.
Esses resultados evidenciam que, mesmo no cenário otimista, na ausência de receitas extraordinárias relevantes, o atingimento de superávits primários se dará apenas a partir de 2022. Nesse sentido, eventuais impactos da agenda de reformas pós-Previdência apresentada pela equipe econômica com o propósito de reduzir e racionalizar os gastos obrigatórios (como a PEC Emergencial e a reforma administrativa) não estão inclusos nesses cálculos, mas é um importante fator que pode contribuir para se alcançar um superávit primário mais rapidamente – e, consequentemente, uma redução mais célere da dívida bruta.
Retornando ao resultado principal, no cenário conservador, a dívida bruta apresenta trajetória cadente até o nível de 72,7% em 2030. Interessantemente, apesar de adotarmos algumas premissas diferentes, o nível de dívida bruta alcançado em 2028 no cenário conservador (74,4%) é bem próximo do encontrado pelo Tesouro Nacional no Relatório de Projeções da Dívida Pública Federal referente ao 2º quadrimestre de 2019 (73,5%)1. No cenário otimista, a dívida bruta exibe comportamento de redução contínua, atingindo 52,1% em 2030, em vista da manutenção de altos superávits primários. Por sua vez, no cenário pessimista, a trajetória de dívida bruta fornece indícios de que entra em uma dinâmica novamente insustentável em 2023 e segue em crescimento ininterrupto até o nível de 97,3% em 2030.
Uma observação importante é a de que, no cenário otimista, alcançaremos em 2027 o nível máximo de dívida em que tivemos pela última vez um grau de investimento por parte de agências de rating (63,0%). O mesmo não ocorre nos outros dois cenários no horizonte até 2030, embora seja bastante plausível o argumento de que esse fato por si só não seria impeditivo à atribuição de um eventual grau de investimento ao Brasil no caso do cenário conservador, uma vez que, a princípio, a tendência declinante da dívida continuaria sendo crível para frente.
Ainda sobre o tema nota de crédito, as decisões das agências de rating envolvem a avaliação de inúmeros fatores da economia além da dívida pública, tais como atividade econômica, inflação e contas externas. Entretanto, o gráfico 3 evidencia que há uma alta correlação entre as notas de crédito atribuídas ao Brasil e seu nível de dívida bruta no período recente. Um primeiro comentário, com base nessa correlação, é a evidente associação entre um nível de dívida bruta brasileira de 63,0% ou menor com a atribuição de uma nota de crédito de grau de investimento.
Mais importante, tendo como pano de fundo as simulações de dívida pública brasileira feitas anteriormente, também podemos contemplar a perspectiva de upgrades da nota de crédito brasileira ao longo dos próximos anos de acordo com os cenários otimista e conservador. Essa perspectiva é particularmente positiva no cenário otimista, no qual é possível inclusive atingir patamar de dívida bruta compatível com a atribuição de grau de investimento. Simetricamente, em vista da trajetória nitidamente insustentável da dívida bruta no cenário pessimista, também não seria irrealista a atribuição de uma nota de crédito de junk bond à dívida brasileira na concretização de tal cenário.
CONLUSÃO
A economia brasileira encontra-se unicamente posicionada em termos de fundamentos para receber upgrades das principais agências de rating, com perspectiva de aceleração do crescimento econômico, inflação baixa e controlada e contas externas sólidas. De fato, nosso CDS de 5 anos se encontra em níveis comparáveis ao de países com notas de crédito de grau de investimento. O que ainda impede upgrades da nota de crédito brasileira? Nossa atual situação fiscal. Apesar de nos últimos 3 anos termos feitos avanços importantes nesse âmbito, que conseguiram devolver a perspectiva de sustentabilidade da dívida pública brasileira, seu nível (em termos absolutos) ainda é alto e (em termos relativos) maior do que o observado em países com melhores notas de crédito.
Nossos resultados mostram que a perspectiva para a dívida bruta brasileira ao longo dos próximos anos é positiva, possibilitada pela aprovação da PEC do Teto de Gastos e da Reforma da Previdência. No entanto, apesar da deterioração da dívida pública ter ocorrido numa curta janela de tempo, sua recuperação a níveis mais saudáveis e compatíveis com melhores notas de crédito exigirá esforço e comprometimento de praticamente uma década. Trata-se de um grande, porém possível desafio. Se quisermos acelerar essa dinâmica, será necessário rigor fiscal ainda maior com os gastos públicos e, nesse sentido, é bem-vindo o novo conjunto de propostas apresentado pela equipe econômica visando redução e racionalização dos gastos obrigatórios.