Grande questão que fica, dados os paralelos entre o período atual e aquele momento, é se haverá novamente uma forte crise de dívida nos países emergentes

Tivemos praticamente duas décadas de inflação baixa no mundo, ajudadas pela ascensão da China ao mercado global – o que inundou o mundo não apenas de uma brutal oferta de produtos manufaturados, mas também de mão-de-obra – e fez com que, globalmente, os salários ficassem contidos, mesmo diante da dificuldade de mobilidade do fator trabalho. Agora, a demografia chinesa já virou, com indicações de que, desde 2021, a população do país começou a reduzir e deverá encolher significativamente até o fim do século.

A esse ponto, junta-se o comportamento dos governos ao redor do mundo mais lenientes com o fiscal: em um primeiro momento, devido à necessidade da sustentação de demanda com a pandemia. Recentemente, a justificativa é a complementação da renda para fazer frente ao forte aumento dos preços de energia. Esse maior ativismo fiscal, aliado à mudança demográfica na China e menores investimentos globais em energia, tem cobrado seu preço em termos de aumento de preços, tornando a inflação mais espalhada e persistente.

Tal comportamento da inflação vai exigir que os juros no mundo encontrem uma realidade há muito não observada. Após a grande crise financeira, os instrumentos monetários foram extensamente utilizados e, hoje, as saídas fiscais alimentam a necessidade de maiores elevações de juros. No momento, são os países desenvolvidos os pressionados a serem mais ativos na elevação da taxa básica de juros, seja nos EUA, Europa, Inglaterra e até no Japão, o último bastião de “dovishness” no mundo.

A grande questão que fica, dados os paralelos traçados entre o período atual e a década de 80, é se teremos novamente uma forte crise de dívida nos países emergentes. O brusco aumento de juros levado a cabo pelo então presidente do Fed, Paul Volcker, levou a uma recessão global, puxando os preços de commodities para baixo. Os países emergentes, como grandes produtores, foram pressionados pelos dois lados no balanço de pagamentos.

Na conta comercial, as exportações minguaram tanto por recuo na demanda global quanto pelo recuo nos preços dos produtos exportados, gerando piora na conta corrente. Além disso, uma maior taxa de juros no mundo tornou menos atrativos os investimentos em títulos públicos de países mais frágeis, levando a uma saída de capitais. Com isso, tivemos uma forte crise do balanço de pagamentos, com incapacidade desses países de se financiarem a mercado e precisando recorrer ao FMI para ter capacidade de manutenção de suas relações comerciais e financeiras com os outros países do mundo.

No caso brasileiro, a incapacidade de ajustar os déficits fiscais, nosso crônico problema, também gerou como subproduto um período de hiperinflação, com diversas tentativas frustradas de planos econômicos, que só foi interrompido com o real, em 1994. O custo para o Brasil da elevada inflação global na década de 70 foi pago até 1994, com a conta sobremaneira elevada para as populações de mais baixa renda, incapazes de se proteger contra a inflação.

Diante da forte inflação observada nos países desenvolvidos e respostas erradas por parte dos políticos para combater esse fenômeno, o mundo atual encaminha-se para conviver com taxas de juros mais elevadas. Ao longo do processo de elevação da taxa básica é comum que se duvide de que experiências passadas possam ser repetidas, mas a mensagem que o principal banco central do mundo vem passando é a de que há receio de que a década de 70 se repita e que, porventura, o receituário para combater a inflação seja o mesmo usado naquela época, em que a taxa básica de juros efetiva dos EUA alcançou patamar acima de 19%. Ainda que os níveis alcançados possam ser diferentes, vale se questionar sobre a possibilidade de que episódios de magnitude similar sejam repetidos.

Em primeiro lugar, a grande maioria dos países emergentes segue como grande produtora de commodities, o que, com a ocorrência de uma recessão global, deve deprimir os preços. Assim, no lado comercial, haverá uma deterioração da conta corrente. Com elevação maior dos juros no mundo, o fluxo de saída de capitais seguirá como uma realidade, com direcionamento de recursos para os países desenvolvidos. Assim, teremos saída das contas de capitais e elevação dos juros cobrados nos títulos públicos domésticos. A existência de fartas reservas internacionais diminui as chances de que se observe períodos de falta de divisas que tanto causaram custos para diversas nações, apesar de termos visto recentemente países voltando a recorrer ao FMI.

O BCB se reúne hoje, no mesmo dia do Fed, em um mundo com ambiente de elevada inflação e perspectiva de juros mais elevados. Nossa taxa básica já se encontra bem acima do resto do mundo e nossa inflação parece ter feito o pico. Neste momento, novas elevações da taxa Selic não são demandadas. Por outro lado, caso a inflação global siga se elevando ou caso não corrijamos nossos problemas fiscais, o mundo provavelmente não estará tão disposto a financiar os títulos públicos brasileiros, o que exigirá que novas elevações da taxa básica ocorram.